Crédito caro e difícil atrapalha o crescimento

Empresas brasileiras adiam investimentos, deixam de criar empregos e até recusam pedidos de clientes porque enfrentam obstáculos para obter financiamento

A dificuldade de acesso e o alto custo do crédito no Brasil inviabilizam projetos e comprometem o sucesso das empresas e o crescimento do país. Foi depois das frustrações com pedidos de empréstimos para investimentos que o empresário Alexandre Costa Moreira, diretor da Softway, revisou planos de expansão dos negócios e de contratação de empregados. “Poderia ter gerado três vezes mais empregos se tivesse conseguido os empréstimos e feito os investimentos como estava planejado inicialmente”, afirma Moreira. 

Instalada em Brasília há 27 anos, a Softway emprega 30 pessoas e desenvolve softwares e sistemas de gestão empresarial. Em 2002, a empresa buscou um financiamento do Fundo de Desenvolvimento do Centro-Oeste (FCO) para construir a nova sede no terreno adquirido com incentivos Pró-DF no Distrito Industrial Bernardo Sayão, em Brasília. “Juntamos os documentos, tínhamos as garantias exigidas. Depois de quatro meses, o banco avisou que as regras tinham mudado. Recomeçamos o processo. Um ano se passou e recebemos a resposta sobre o pedido”, lembra Moreira. 

SUFOCO - Como o Pró-DF só concedia os incentivos na compra do terreno para as empresas que cumprissem rigorosamente o prazo de instalação, o empresário começou a obra com recursos próprios. Em outubro de 2005, instalou a empresa no primeiro andar do prédio. Seis meses depois, o financiamento foi aprovado.“Aí era tarde. O sufoco para atender os prazos do Pró-DF tinha passado e decidimos tocar o restante da obra com recursos próprios”, diz o empresário. 

No início deste ano com os três andares do prédio da sede nova concluídos, Moreira tentou buscar outro financiamento do FCO para tocar um plano de ampliação das atividades. Depois de várias tentativas para iniciar o processo, ele desistiu. De novo. Sequer obteve resposta do banco. Moreira recorreu ao FCO porque considera os custos das demais linhas de crédito dos bancos privados e oficiais muito altos, incompatíveis com a atividade empresarial.

EXCESSO DE BUROCRACIA E DE GARANTIAS REAIS - O sentimento do diretor da Softway é o mesmo dos demais empresários brasileiros. A pesquisa Crédito de Curto  e Longo Prazos, da Confederação Nacional da Indústria (CNI), mostra que as taxas de juros elevadas, as exigências de garantias reais e a burocracia são os principais obstáculos enfrentados pelos empresários que precisam de crédito de longo prazo no Brasil. “O difícil acesso e o elevado custo do capital são dois grandes entraves ao crescimento e ao desenvolvimento da indústria brasileira”, afirma a pesquisa, que ouviu 1.770 empresas industriais de todo o país em abril deste ano. 

A essas dificuldades, a empresária Juliana Costa acrescenta as informações imprecisas fornecidas pelos bancos. “A informação que passam em um dia já não vale ou muda no outro. A confusão é grande”, afirma Juliana, sócia e responsável pela área de marketing da Serrana Embalagens. A indústria, com 20 anos de atuação no mercado, emprega 21 pessoas e produz sacarias e embalagens de grande porte para grãos, minerais e outros produtos no município de Serra, no Espírito Santo. 

As barreiras de acesso e o alto custo do crédito obrigaram a empresa a cortar investimentos. “Sem financiamento, deixamos de investir em tecnologia, abrimos mão de patentear inovações, de desenvolver produtos novos e de treinar a equipe”, conta Juliana. “Nosso produto começou a ficar com custo mais elevado do que o valor de mercado. Tivemos que abrir mão da margem de lucro para nos manter no mercado”, afirma a empresária. 

“Sem financiamento, deixamos de investir em tecnologia, abrimos mão de patentear inovações, de desenvolver produtos novos e de treinar a equipe”, lamenta Juliana

Descapitalizada, a empresa, que tinha 76 empregados, também precisou reduziu a equipe e a produção. A indústria foi obrigada a recusar pedidos porque faltou capital para comprar matéria-prima e insumos. “Precisávamos de recursos para investir em máquinas mais modernas e mais rápidas para reduzir os custos de produção. Sem esses recursos, nossa opção foi voltar a ser uma pequena empresa para garantir a sobrevivência”, lembra Juliana. 

“Encolhemos justo quando o Brasil teve uma safra acima do planejado e quando nosso produto é muito procurado, pois grande parte dos produtos agrícolas é embalada em big bags e sacarias de grande porte”, diz a empresária. Finalmente, depois de quase um ano de negociações, a Serrana Embalagens conseguiu um empréstimo para capital de giro. “Quando o dinheiro chegou, já não era suficiente”, desabafa a empresária. Ela conta que conseguiu o empréstimo com a ajuda do Núcleo de Acesso ao Crédito (NAC) da Federação das Indústrias do Estado do Espírito Santo (FINDES). Leia mais sobre o NAC abaixo.

DESCOMPASSO - O problema não é apenas de Juliana. A percepção do setor produtivo é que há um descompasso entre as necessidades das empresas e os trâmites do empréstimo. “O tempo de liberação do financiamento é incompatível com o tempo de tomada de decisão da empresa. Muitas vezes, a empresa perde oportunidades porque não consegue resolver os problemas burocráticos”, afirma o gerente-executivo de Política Econômica da CNI, Flávio Castelo Branco. 

Ele destaca que, embora os juros básicos da economia estejam baixos, as taxas cobradas nos empréstimos são muito altas, o que compromote a competitividade das empresas brasileiras. Na edição especial do Informe Conjuntural, a CNI alerta que, com a queda dos juros básicos da economia para 4,5% ao ano, há um ambiente favorável para a reavaliação do custo dos financiamentos no Brasil. “É preciso enfrentar os demais elementos que oneram as taxas finais das operações de crédito, inviabilizando projetos de investimento, dificultando o aumento da competitividade, o crescimento econômico e a criação de empregos”, diz o estudo.

Entre as medidas para reduzir o custo do crédito, a CNI recomenda a reavaliação dos componentes do spread bancário – a diferença entre as taxas de captação e as cobradas dos tomadores de empréstimos. Conforme dados do Banco Mundial, o Brasil tem o segundo maior spread bancário do mundo: a média no país é de 32% e só não supera os 43% de Madagascar. 

Os componentes do spread brasileiro que precisam ser revistos são as margens de lucro dos agentes financeiros, o provisionamento por inadimplência e os compulsórios (percentual dos depósitos à vista e a prazo que os bancos são obrigados a recolher ao Banco Central). Na avaliação da CNI, o Brasil só crescerá de forma sustentável se adequar o custo financeiro do investimento à rentabilidade dos projetos empresariais.

Núcleos de Acesso ao Crédito facilitam aproximação entre bancos e empresas

Atenta às dificuldades que as empresas enfrentam para obter financiamentos, a CNI criou, em 2015, a rede de Núcleos de Acesso ao Crédito (NAC). Instalados em 20 estados, nas federações estaduais de indústrias, os núcleos são escritórios que prestam consultoria especializada para facilitar o acesso das empresas a empréstimos para capital de giro ou investimento. Para receber a consultoria, basta o empresário entrar em contato com o NAC da federação de indústria do seu estado. 

No NAC, o empresário obtém informações sobre as diversas linhas de crédito disponíveis no mercado e   recebe orientações sobre a opção mais adequada às necessidades da empresa. Além disso, os consultores ajudam na interlocução, na construção de relacionamento e, caso necessário, na renegociação de dívidas com os bancos.  Os núcleos também promovem rodadas de negócios para aproximar empresas e bancos. 

Foi depois de participar de uma rodada de negócios realizada pelo NAC da Federação das Indústrias do Estado de Tocantins (FIETO) que o empresário Rafael Martins dos Reis, sócio da MR Esquadrias, obteve o crédito que necessitava para capitalizar a empresa. “Antes, os bancos eram indiferentes aos nossos pedidos. Não acreditavam na empresa”, conta Reis.  

“Na rodada de negócios, mostramos o potencial da empresa. Somos uma das maiores fabricantes de esquadrias de alumínio do estado. Temos dois galpões grandes e maquinário próprio. Com isso, os bancos passaram a nos procurar”, diz o empresário. 

A partir dessa aproximação, a MR, que atua há sete anos em Palmas e tem 18 empregados, obteve financiamento para capital de giro e investimentos em energia solar e na compra de softwares. “Ter crédito é um estímulo para a empresa, pois permite investir, inovar e buscar mais clientes”, afirma Reis.

ATENDIMENTO VIRTUAL - Os serviços prestados nos escritórios do NAC têm o reforço de um blog, no qual os interessados encontram informações e orientações sobre financiamento para empresas. No início do próximo ano, a rede ganhará uma plataforma de atendimento digital. “A plataforma será um grande canal de conhecimento e informações sobre crédito”, adianta a especialista em Políticas e Indústria da CNI, Caroline Lompa. 

Além do atendimento virtual personalizado, a plataforma oferecerá aos empresários orientações, cartilhas, cursos e eventos. Também terá informações detalhadas sobre linhas de crédito nacionais e regionais para capital de giro, investimentos e inovação e links para bancos de fomento, instituições privadas e cooperativas de crédito de todo o país. “Nosso objetivo é ampliar os serviços e desmistificar o crédito para ajudar as empresas e o país a crescer”, completa Caroline.   

Mercado brasileiro ainda é pequeno em relação ao de outros países, diz pesquisador do IPEA

O cadastro positivo, a securitização de dívidas e o incentivo aos fundos de investimentos são instrumentos que podem melhorar o acesso e reduzir os custos dos financiamentos no Brasil, diz o pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), João Alberto de Negri. Além disso, ele destaca que as fintechs chegaram para aumentar a concorrência no mercado crédito brasileiro, que ainda é pequeno em relação ao de outros países. “Um estudo recente do IPEA mostra que 38% das empresas brasileiras dos setores industrial, de serviços, comércio e construção civil com mais de 10 pessoas ocupadas sequer acessam o mercado de crédito ao longo de um ano”, diz João de Negri nesta entrevista concedida por telefone à Agência CNI de Notícias. 

AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS - Por que o crédito no Brasil é tão caro?
JOÃO ALBERTO DE NEGRI -
Uma das razões é que a inadimplência cresceu muito com a crise econômica e isso aumenta o spread bancário. No entanto, é preciso destacar que, no Brasil, o volume de crédito equivale a pouco mais de 25% do Produto Interno Bruto (PIB). Em outros países, esse volume é superior a 110% do PIB. Nos Estados Unidos, fica em torno de 120% e, na China, em 110% do PIB. Um estudo recente do IPEA mostra que 38% das empresas brasileiras dos setores industrial, de serviços, comércio e construção civil com mais de 10 pessoas ocupadas sequer acessam o mercado de crédito ao longo de um ano. Isso foi verificado em um longo período, de 2004 a 2018. Portanto, o problema do crédito no Brasil não é apenas o custo, mas também o acesso.   

AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS - Como o cadastro positivo pode contribuir para reduzir o custo e facilitar o acesso ao crédito?
JOÃO ALBERTO DE NEGRI -
O cadastro positivo é muito importante. É uma iniciativa que existe há muito tempo em outros países. Permite que os bancos identifiquem os bons pagadores e busquem, entre eles, novos clientes, o que ajuda a aumentar a concorrência bancária e reduzir os custos dos empréstimos. Uma das razões pelas quais as empresas têm dificuldades de acessar o crédito é que não há bancos oferecendo empréstimos. Ou seja, os bancos também não estão procurando clientes. O cadastro positivo vem na direção de aumentar as informações sobre possíveis clientes para os bancos. 
 

AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS – Quais outras mudanças podem melhorar o mercado de crédito no Brasil? 
JOÃO ALBERTO DE NEGRI - Atualmente, a tendência é que as fintechs, empresas com custo muito baixo do setor financeiro, que usam as novas tecnologias e a inteligência artificial para identificar bons pagadores, facilitem o acesso do setor produtivo ao crédito. Outra tendência internacional para reduzir o custo dos empréstimos é a securitização das dívidas. Ou seja, a empresa oferece um seguro como garantia do seu empréstimo. Esse seguro cobrirá a dívida, caso a empresa enfrente dificuldades para fazer os pagamentos acertados com o banco, o que reduz o risco de inadimplência.  Simulações feitas no IPEA mostram que, se houver uma redução de 10% na taxa de juros, a vontade do empresário de contratar um empréstimo aumenta em torno de 10%. Ou seja, o empresário é sensível à queda dos juros. Mas outra simulação mostra que se o empresário tem a possibilidade de fazer um seguro para dar como garantia ao banco, a sensibilidade à queda dos juros dobra. Ou seja, se ampliar o mercado de securitização, uma queda de 10% nos juros aumentaria em mais de 20% a demanda por crédito. 

AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS - Há outras medidas? 
JOÃO ALBERTO DE NEGRI - Outra ação relevante para melhorar o mercado de crédito é a ampliação das formas de acesso aos mecanismos de financiamento das empresas. Se aumentar a participação dos fundos de investimentos nos financiamentos das empresas também aumentará a competição entre os bancos. Os fundos de investimentos em participação são regulamentados pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e representam hoje cerca de R$ 170 bilhões no mercado. Esses mecanismos de alavancar as empresas também podem alavancar o mercado de crédito no Brasil.  Outra coisa importante são as debentures incentivadas, títulos emitidos pelas empresas com grande capacidade de financiamento das atividades empresariais, que podem alavancar o mercado de crédito.
 

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