ENTREVISTA: Brasil deixa de investir R$ 450 bilhões para cobrir déficit da Previdência, diz Ricardo Amorim

O economista afirma que as reformas da Previdência e trabalhista são passos importantes na direção certa. Para ele, a economia brasileira voltará a crescer neste ano, mas o país precisa vencer os obstáculos do aumento da dívida pública, da burocracia, da elevada carga tributária e da baixa produtividade

As reformas trabalhistas e da Previdência em tramitação no Congresso Nacional são avanços importantes para o país, mas ainda estão longe do ideal. A avaliação é do economista Ricardo Amorim. Sobre a Previdência, ele acredita que o ideal seria a adoção de um modelo de capitalização, em que cada brasileiro colocaria o dinheiro em uma conta e, ao se aposentar, receberia o equivalente ao valor que contribuiu, mais o rendimento da aplicação financeira desse dinheiro. "Então, quem quer receber mais, que contribua mais, aí não tem déficit", diz Amorim. 

Para a reforma trabalhista, ele sugere a modernização das leis atuais e a valorização dos acordos negociados entre empregados e empregadores. "Hoje, a legislação joga contra os trabalhadores", afirma. Ricardo Amorim é autor do best-seller Depois da Tempestade, apresentador do programa Manhattan Connection, da Globonews, e é considerado o economista mais influente do Brasil segundo a revista Forbes. Além disso, é o brasileiro mais influente no Linkedin, único brasileiro entre os melhores palestrantes mundiais do Speakers Corner e ganhador do prêmio Os + Admirados da Imprensa de Economia, Negócios e Finanças. Nesta entrevista à , ele fala da recuperação da economia brasileira, dos entraves ao crescimento e destaca que um dos principais desafios do país é aumentar a produtividade no trabalho.

AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS - Alguns indicadores mostram que o pior da crise ficou para trás: a inflação está convergindo para a meta, os juros estão caindo e há sinais de recuperação da atividade. O senhor acredita que o Brasil voltará a crescer ainda este ano?  Por quê?

RICARDO AMORIM - Eu não tenho dúvida nenhuma que o Brasil vai voltar a crescer este ano. Os indicadores de janeiro já apontam uma atividade econômica melhor.  Em particular, o que mais me chama a atenção é o fato da indústria em São Paulo, depois de quase dois anos em que as demissões eram maiores que as contratações, ter criado mais empregos que destruído no mês de janeiro. Obviamente, um mês não faz uma tendência, então é muito cedo ser taxativo e dizer que isso já é um processo de crescimento que vai ser sustentado, mas ele vai acabar acontecendo por vários fatores. O primeiro é que a queda clara da inflação nos últimos quatro ou cinco meses vai abrir espaço para novas quedas de juros, e isso vai fazer com que o crédito pouco a pouco se destrave. Com mais crédito, tem mais consumo e mais investimentos das empresas. Com mais investimento, acaba tendo mais emprego, e mais emprego significa mais consumo e, com mais consumo, as empresas vendem mais e acabam sendo forçadas a contratar mais gente. Ao contratar mais gente, é mais gente que tem renda pra consumir mais. Enfim, a economia entra num circulo virtuoso.  

AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS - Na sua avaliação, quais são os três principais obstáculos ao crescimento econômico?

RICARDO AMORIM - No curto prazo, o principal empecilho é a preocupação com a solvência brasileira. Nos últimos anos, o governo gastou muito mais do que arrecadou. A consequência foi que a dívida pública cresceu muito. Esse crescimento da dívida, somado ao fato de que o governo continua gastando mais do que arrecada, leva à preocupação e à dúvida se, no futuro, o governo terá condições de arcar com seus compromissos. Em outras palavras, existe o risco de, no futuro, o governo ser forçado a dar um calote. Hoje, infelizmente, esse risco ainda existe. O segundo grupo de entraves é ligado à ineficiência da economia brasileira. E nesse campo cabe muita coisa e a necessidade de várias reformas. A gente tem um problema que é a legislação trabalhista, que encarece demais a contratação e faz com que a empresa pague muito e o funcionário receba pouco. Também temos o entrave da péssima infraestrutura, que impacta o preço de absolutamente tudo. Em terceiro lugar, tem o problema seríssimo de burocracia e legislação com processos exagerados e desnecessários, que encarecem e tiram o que deveria ser o foco das empresas e dos funcionários. Somado a isso, o Brasil é, entre 156 países emergentes, o terceiro com a carga tributária mais alta. E não é o terceiro em qualidade de serviços públicos. Por fim, o terceiro entrave, este mais de longo prazo e mais estrutural e mais difícil de ser resolvido, mas talvez o mais importante de todos, é a produtividade. A gente tem que fazer um trabalho seríssimo para aumentar a produtividade do Brasil.

 AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS - E do que depende o aumento da produtividade brasileira?

RICARDO AMORIM - A melhora da produtividade passa por dois aspectos. O primeiro é a educação. É preciso investir pesado na qualificação das pessoas no Brasil, desde as crianças até altos executivos. Em segundo lugar, não é só gente melhor preparada que produz mais. Gente melhor equipada também produz mais. O Brasil tem uma utilização de máquinas e equipamentos, hardware e software muito abaixo de outros países e isso vem de várias razões. Uma delas, talvez a mais importante, é a altíssima taxa de juros brasileira que encarece os bens de capital e faz com que a gente use muito menos instrumentos que poderiam ajudar a produtividade das pessoas. Como é que a gente resolve isso? Mais uma vez, reduzindo a necessidade de financiamento do governo. Em um cenário onde o governo precisa de menos dinheiro emprestado, a taxa de juros cai e, com taxa de juros mais baixa, é possível investir muito mais em máquinas e equipamentos para aumentar a produtividade no Brasil.     

AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS - Recentemente, o Congresso aprovou a PEC que estabelece um limite para o crescimento dos gastos públicos. Esse mecanismo é suficiente para o equilíbrio das contas públicas? O que mais precisa ser feito?

RICARDO AMORIM - A PEC dos gastos é uma condição necessária, mas não suficiente para resolver o problema do déficit público. Sem ela, o governo não teria flexibilidade suficiente e instrumentos para conseguir colocar as contas públicas em ordem. O que complementa a PEC dos gastos é a reforma da Previdência. Sem ela, o déficit público vai continuar crescendo nos próximos anos. E pior, sobrando menos dinheiro para tudo. Menos dinheiro para saúde, para educação, para investimento em infraestrutura. 

AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS - Estão em tramitação no Congresso as reformas da Previdência e a modernização das leis trabalhistas. Os textos propostos pelo governo para as duas reformas atendem às necessidades do país e das empresas?

RICARDO AMORIM - Nem a proposta de reforma da Previdência nem a reforma trabalhista são as ideais. Estão muito longe disso. Mas são dois passos importantes na direção correta. No caso da Previdência, a grande questão é que o buraco total, a soma o déficit da Previdência do setor privado, o INSS, com a Previdência do governo federal (servidores do Judiciário, do Legislativo, do Executivo, do Ministério Público) mais os dos governos estaduais e municipais, chega a um total anual de R$ 450 bilhões. Isso significa que o país está deixando de investir R$ 450 bilhões por ano em infraestrutura, educação, saneamento, segurança, transporte, só para cobrir o déficit da Previdência. Tudo isso significa que o Brasil está fazendo uma opção por honrar o passado e não investir no futuro. Na Coreia, para cada um real que o governo gasta com a população acima de 65 anos, ele gasta um real e vinte com crianças de até 15 anos de idade. Ou seja, o principal gasto é educação. No Brasil, para cada um real gasto com população acima de 65 anos são gastos apenas 10 centavos com crianças de até 15 anos. Isso explica porque a educação no Brasil é ruim. Por consequência, as pessoas não são produtivas e têm renda baixa. O resultado é que a Coreia, que há 60 anos tinha uma renda per capita equivalente à metade da brasileira, hoje tem uma renda per capita quatro vezes superior à nossa. E o pessoal na Coreia se aposenta com uma aposentadoria que é o dobro da brasileira, simplesmente porque eles apostaram em investir em qualificar os coreanos e torná-los mais produtivos. Isso aumentou a renda, aumentou o PIB e, por consequência, a aposentadoria. 

AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS - Qual seria a reforma da Previdência ideal?      

RICARDO AMORIM - A reforma ideal seria uma mudança no modelo atual de distribuição em que quem trabalha hoje paga a aposentadoria de quem trabalhou antes. Deveríamos sair desse modelo para o modelo de capitalização onde cada um coloca o dinheiro em uma conta e o que ele vai receber no final é exatamente o que ele contribuiu, mais o rendimento da aplicação financeira desse dinheiro. Então, quem quer receber mais, que contribua mais, aí não tem déficit. 

AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS - E como deveria ser a reforma trabalhista?

RICARDO AMORIM - No caso da reforma trabalhista, é preciso flexibilizar as leis do trabalho. Em outras palavras, hoje, trabalhadores e patrões não têm a possibilidade de definir como eles querem fazer acordos. A lei engessa absolutamente tudo. E é bom lembrar que a lei trabalhista é de 1930. Ela nasceu com o objetivo de proteger o empregado, e parecia um objetivo nobre naquele momento. Só que, quase 90 anos depois, o mundo mudou e as relações de trabalho mudaram. Hoje, a legislação joga contra os trabalhadores.  A cada 100 pessoas com idade de trabalho no Brasil, menos de 50 têm trabalho, embora a taxa de desemprego seja bem menor que isso, porque a taxa só considera quem não tem emprego e quem está procurando emprego. Quem desistiu de procurar emprego porque simplesmente não consegue encontrar não aparece na taxa. E tem um número grande de gente trabalhando sem carteira assinada. Na prática, de cada 100 trabalhadores, 20 têm trabalho com carteira assinada e são beneficiadas pela legislação atual. Os outros 80, ou estão sem trabalho ou trabalham sem carteira assinada. É preciso mudar isso.

Embora o cenário mundial seja cheio de incertezas, o economista Ricardo Amorim analisa que, no curto prazo, dificilmente os riscos externos atingirão a economia brasileira. Ouça:
 

 

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