Quais são os riscos e as oportunidades na transição energética?

Andrea Cabello, professora da UnB, explica por que o governo deve ajudar a financiar a transição para uma economia de baixo carbono

A transição energética exige uma política ativa por parte do setor público para a adoção de tecnologias que contribuam com a descarbonização da economia, defende Andrea Cabello, professora de economia da Universidade de Brasília (UnB).

“Sem esse direcionamento, a tendência é que sejam adotadas as tecnologias mais baratas e já conhecidas”, diz. Segundo ela, o custo da transição energética é um dos desafios a serem enfrentados pelo Brasil e pelo mundo no processo de descarbonização.

Andrea integra um grupo de 15 pesquisadores que lançaram, no final do ano passado, o estudo “Dez princípios para a elaboração de políticas na transição energética: lições da experiência”, que faz parte de um projeto internacional que pesquisa novas abordagens econômicas para apoiar a tomada de decisões sobre políticas de descarbonização.


“Não existe política tecnologicamente neutra, ou seja, querendo ou não, sempre se favorece algum grupo ou tecnologia”, argumenta Andrea Cabello (UnB).


REVISTA INDÚSTRIA BRASILEIRA - Quais são as principais conclusões do estudo que você ajudou a elaborar?

ANDREA CABELLO - A teoria econômica tradicional tem muita dificuldade de lidar com fenômenos reestruturantes e que causam rupturas tecnológicas. Esses fenômenos são permeados por incertezas e externalidades que fazem com que uma avaliação custo-benefício muitas vezes não seja a forma adequada de avaliar políticas ou a introdução de novas tecnologias.

A mudança climática é um desses fenômenos. Muitas das tecnologias hoje utilizadas pela sociedade são prejudiciais ao processo de mudança climática. Entretanto, do ponto de vista do custo, como são tecnologias já estabelecidas e amortizadas, elas são bastante vantajosas, principalmente frente a novas tecnologias que ainda não atingiram economia de escala nem foram fruto de amplo processo de aceitação e aprendizado pelos consumidores.

Uma alternativa para avaliar a questão seria a abordagem de risco e oportunidade, segundo a qual a avaliação custo-benefício somente é razoável quando custos e benefícios são facilmente mensuráveis e se não há incerteza sobre seu fluxo futuro. Quando esse não é o caso, deve-se mapear riscos e elencar oportunidades, pois muitas vezes é necessário adotar tecnologias que, no curto prazo, ainda não sejam as mais vantajosas do ponto de vista do custo, mas que possuam uma trajetória promissora. É o caso, por exemplo, da energia fotovoltaica, cujo preço tem caído sucessivamente e que tem ganhado mercado com o tempo.

REVISTA INDÚSTRIA BRASILEIRA - Por que é preciso fazer escolhas tecnológicas para a transição energética e como a combinação de políticas públicas pode melhorar os resultados?

ANDREA CABELLO -  Não existe política tecnologicamente neutra, ou seja, querendo ou não, sempre se favorece algum grupo ou tecnologia. Se isso é inevitável, que essa escolha seja feita de forma consciente, e não acidental. Nesse sentido, cabe ao formulador de políticas públicas acompanhar o desenvolvimento tecnológico e os desafios à frente da sociedade para incentivar tecnologias incipientes e com potencial de promover mudança estrutural de forma bem-sucedida. Sugere-se, ainda, a adoção de uma estratégia de portfólio, com foco em diversificação de risco, uma vez que, devido à incerteza, não é possível antecipar quais tecnologias serão mais bem-sucedidas no futuro.

REVISTA INDÚSTRIA BRASILEIRA -  Uma das conclusões do seu estudo é que as transições para baixo carbono implicam transferência de recursos econômicos. Poderia detalhar melhor essa afirmação?

ANDREA CABELLO -  Combustíveis fósseis, por exemplo, tendem a favorecer regiões ricas em petróleo. Logo, uma mudança tecnológica que desfavoreça o uso de veículos movidos a combustíveis fósseis prejudicará essas regiões e, provavelmente, transferirá renda a outros lugares beneficiados pelas novas escolhas energéticas. Dessa forma, é importante reconhecer que a transição não ocorre sem custo e que poderemos ter grupos que perderão. Por causa disso, eles poderão se opor a essa política. Logo, é preciso acomodar interesses para garantir uma transição bem-sucedida.

REVISTA INDÚSTRIA BRASILEIRA - Por que é necessário investimento e regulação do setor público para reduzir os custos da transição energética?

ANDREA CABELLO -  Em algumas situações – quando mudam o arcabouço institucional, a governança das instituições ou a tecnologia vigente, por exemplo –, o investimento necessário exige custos maiores no curto prazo e, para consegui-lo, é necessário planejamento e direcionamento governamental. Talvez seja importante uma política fiscal bastante ativa em termos de subsídios ou algo nesse sentido. Além disso, o governo, que tem um papel de destaque na economia, pode criar demandas e um ambiente regulatório adequado. O Estado tem um papel importante, de estimular a adoção de tecnologias que ainda não estão totalmente estabelecidas. O papel do setor público é agir de maneira proativa tanto do lado da oferta quanto da demanda.

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