Parlamentar defende união do país para enfrentar a crise de água

O deputado João Paulo Papa (PSDB/SP), considera que a desigualdade socioeconômica no Brasil está na raiz de muitos dilemas relacionados à água, como a precariedade e a ineficiência dos serviços de saneamento público, sem falar da baixa participação da população nos colegiados de gestão compartilhada da água

Dias antes de Brasília sediar o Fórum Mundial da Água, a Agência CNI de Notícias publica entrevista com o deputado federal João Paulo Papa (PSDB/SP) sobre a crise hídrica no país. O parlamentar aponta possíveis caminhos para a solução do problema e também fala sobre as discussões no Congresso referentes à questão da água. A falta de água se agravou nos últimos anos. Relatório da Agência Nacional de Águas (ANA), divulgado em dezembro do ano passado, mostra que 48 milhões de pessoas foram afetadas por secas (duradouras) ou estiagens (passageiras) em todo o país entre 2013 e 2016. Somente em 2016, ano mais crítico em impactos para a população, 18 milhões de habitantes foram afetados, sendo que 84% dos impactados viviam no Nordeste. Leia a íntegra da entrevista:

AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS - Nos últimos cinco anos, o Brasil experimentou severas crises hídricas, com racionamento de água nas regiões Nordeste, Sudeste e Centro Oeste. Na sua opinião os intrumentos utilizados pelo governo para gerenciar a crise hídrica são suficientes ou são necessários ajustes?

JOÃO PAULO PAPA - No Brasil, 80% dos recursos hídricos estão nas bacias Amazônica e do Tocantis/Araguaia, enquanto a ocupação territorial e humana se deu em outras regiões mais ao sul do país. Além disso, a desigualdade socioeconômica que impera no Brasil está na raiz de muitos dilemas relacionados à água, como a precariedade e a ineficiência dos serviços de saneamento público, sem falar da baixa participação da população nos colegiados de gestão compartilhada da água.

Esse contexto deve ser observado antes mesmo de qualquer análise sobre a crise hídrica, pois é a partir dele que o país luta para implementar os instrumentos de gestão da água já existentes. Os Marcos Legais de 1997 e 2007, a Política Nacional de Recursos Hídricos e a Lei do Saneamento, encontram obstáculos em sua implementação em consequência deste desequilíbrio que o país vivencia.

O caso do enfrentamento da crise hídrica em São Paulo é exemplar. Ali tivemos a combinação de planejamento, investimento, capacidade técnica e institucional e outros fatores que foram decisivos para a superação do problema. Há também  em São Paulo o Aquapolo, a mais abrangente experiência de reúso de água para fins industriais, e reúso é palavra-chave quando o assunto é escassez hídrica.

Em outra vertente, há a questão da educação e da absorção do conceito de que a água deve ser utilizada com racionalidade. Só na minha região, a Baixada Santista, o consumo foi reduzido em 10% nos últimos cinco anos. Por outro lado, temos estados com a maior parte de seus municípios sem plano de saneamento, índices de perda de água e outros indicadores que colocam o Brasil em péssima posição quando comparado com outros países nos avanços em saneamento básico. Quanto à política de recursos hídricos, a situação se repete. Está lá, no último relatório de conjuntura da Agência Nacional de Águas (ANA), por exemplo, a informação de que os planos de recursos hídricos existentes são em geral mal coordenados e de fraca efetividade.

Mesmo diante deste quadro, eu acredito que o Brasil tem competência para ajustar essas questões, integrar as políticas setoriais relacionadas à água e  avançar na solução dos entraves legais. Temos bons diagnósticos, boas instituições técnicas. O ponto crucial é unir o país em torno da questão da água, colocar a política a serviço do saneamento e não o saneamento a serviço da política.

O momento de escolha de novos governantes é importante para essa virada e a indústria pode influenciar esse processo, de forma exemplar, mostrando que onde a água não chega não há indústria. E mostrando que o setor industrial, se apoiado, tem importantes soluções para garantir a segurança hídrica do país.

AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS - O setor de saneamento passa por um momento delicado. Altos índices de perdas e baixíssimos índices de tratamento de esgotos. Quais são os caminhos para o setor dar um salto qualitativo na prestação de serviços? Quais os principais entraves e alternativas para superar os desafios e reorganizar o setor? A proposta de Medida Provisória que altera a Lei 11.445 traz boas soluções nesse sentido?

JOÃO PAULO PAPA - Desde 2015, na Câmara dos Deputados, tenho me dedicado a essas questões. Foi criada uma Subcomissão Permanente de Saneamento, que conta com o apoio das principais entidades do setor; a Confederação Nacional da Indústria (CNI) acompanha com atenção e com muitas contribuições esse trabalho. Várias medidas de consenso foram criadas no setor de saneamento e poderiam ser implementadas, agilizadas ou potencializadas de imediato. 

Entendo como fundamental a reversão do PIS/COFINS das pessoas jurídicas prestadoras de serviços em saneamento em investimento direto no setor, uma luta da qual a CNI tem sido protagonista. E também a unificação das políticas, ações e orçamentos destinados ao saneamento no âmbito do governo federal. Um setor fundamental para o desenvolvimento do País é tratado como política pública de segunda classe.

No entanto, a MP em estudo, que apresenta algumas respostas interessantes para o país avançar no saneamento, também altera a Lei exatamente onde ainda não há consenso no setor, que é a forma de ampliação do setor privado no esforço de universalização dos serviços. Tenho escutado de muitas entidades que atuam há décadas em saneamento que o desafio da universalização requer a participação do setor privado, mas ainda não há um formato universal para essa participação que atenda aos desafios desse Brasil tão desigual.

A proposta de chamamento público antes da renovação dos contratos de programa, contraria a maior parte das entidades do setore já não merece estar no corpo da Medida Provisória. Deve ser discutida, sim, mas não por MP.

AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS - O reúso dos efluentes tratados como fonte alternativa de água para abastecimento industrial é uma opção ainda com baixo apelo no Brasil. Embora o reúso não seja uma solução mágica, em áreas com baixa disponibilidade e demanda crítica poderia ser útil. Estudo da CNI mostra que 18 m³/s de efluentes domésticos tratados na região metropolitana de São Paulo? poderia atender parte da demanda industrial de 5 m³/s. Como dar maior escala a esse tipo de prática? Quais são os aspectos regulatórios que poderiam incentivar maior uso de efluentes tratados como fonte alternativa de água para a indústria e o comércio? 

JOÃO PAULO PAPA - O reúso é um dos temas centrais da Subcomissão de Saneamento. Estamos trabalhando em sintonia com os resultados do Projeto Reúso, vinculado ao programa Interáguas, do qual a CNI participa. Os estudos desenvolvidos irão embasar a futura Política Nacional de Reúso de Água, que deverá passar por debates na Câmara e no Senado, casas nas quais tramitam dezenas de projetos dedicados ao tema, dos mais simples aos mais complexos.

O incentivo ao reúso virá de todas essas contribuições reunidas em mais um Marco Legal do setor de água e saneamento.Há muito trabalho e muita discussão pela frente, mas priorizar as decisões capazes de regular o reúso para os grandes consumidores, como a indústria e a agricultura, será o primeiro e o  principal incentivo para alavancar essa atividade.

REPRODUÇÃO DA ENTREVISTA - As entrevistas publicadas pela Agência CNI de Notícias podem ser reproduzidas na íntegra ou parcialmente, desde que a fonte seja citada. As opiniões aqui veiculadas são de responsabilidade do autor. Em caso de dúvidas para edição, entre em contato pelo e-mail [email protected]

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