O diretor de desenvolvimento produtivo do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), José Luis Gordon, diz que a entidade pretende retomar o papel relevante que já desempenhou no apoio à inovação e que, para isso, mobilizará o conjunto de instrumentos financeiros de que dispõe e buscará aprofundar a articulação com outras instituições. Outro critério estratégico na atuação do BNDES será a agenda de descarbonização. “Estamos atentos às oportunidades de desenvolvimento do hidrogênio verde, cuja utilização poderá se traduzir em redução significativa de emissões em setores como a siderurgia”, afirma.
REVISTA INDÚSTRIA BRASILEIRA - Qual é a importância de uma política de neoindustrialização para um país como o nosso?
JOSÉ LUIS GORDON - O Brasil passa por um processo de desindustrialização e perda de competitividade econômica, que teve início há mais de duas décadas, ao longo das quais a participação da indústria de transformação no Produto Interno Bruto (PIB), que chegou a 35,9% em 1985, caiu para 11,3% em 2021. Esse fenômeno tem consequências gravíssimas do ponto de vista da geração de empregos qualificados, da adoção e difusão de tecnologias, da arrecadação tributária, do impulso para os demais setores da economia e da inserção internacional do país.
REVISTA INDÚSTRIA BRASILEIRA - A pandemia teve um efeito importante na desindustrialização?
JOSÉ LUIS GORDON - Os efeitos da pandemia sobre a economia global e as cadeias de suprimentos apenas evidenciaram a importância de uma indústria competitiva e resiliente, fundamental para enfrentar os mais diversos desafios em áreas críticas como saúde, transição verde e descarbonização. Acredito que o Brasil esteja bem posicionado para o enfrentamento desses desafios, e o BNDES poderá desempenhar, mais uma vez, um papel importante, aportando recursos e conhecimento para o desenho e a execução de políticas públicas voltadas ao desenvolvimento.
REVISTA INDÚSTRIA BRASILEIRA - Como será a atuação do BNDES nesse processo?
JOSÉ LUIS GORDON - O declínio da indústria ao longo desse período refletiu-se diretamente na queda de sua participação nos desembolsos do BNDES.
Entre 2000 e 2010, a participação média chegou a 45% do desembolso, tendo declinado de maneira expressiva para menos de 20% nos últimos anos.
De modo ainda mais grave, os desembolsos para a inovação passaram de 6% em 2015 para 1% em 2021. O BNDES sempre teve um papel estratégico para a indústria brasileira e pretendemos reforçar essa posição. A criação de novas linhas de crédito depende de um entendimento sobre as necessidades específicas de cada segmento, mas cabe assinalar duas prioridades já claramente estabelecidas.
REVISTA INDÚSTRIA BRASILEIRA - Quais são as iniciativas prioritárias do BNDES?
JOSÉ LUIS GORDON - Em primeiro lugar, é importante oferecer condições financeiras adequadas, especialmente aos projetos de maior risco. Uma das principais dificuldades hoje para o BNDES reside no referencial financeiro dos financiamentos, que é a Taxa de Longo Prazo (TLP). Esta é definida pela Lei 13.483/2017, atualmente em percentuais muito elevados, até quando comparada com padrões de mercado. A revisão da TLP é necessária para o financiamento da neoindustrialização brasileira. Por isso, a atual gestão do BNDES tem buscado alternativas a essa taxa. Em segundo lugar, o BNDES pretende reforçar sua atuação no apoio à exportação de bens, o que é decisivo para a projeção externa das empresas brasileiras e para a conquista de novos mercados. É preciso reativar o sistema público de crédito à exportação, que diminuiu muito nos últimos anos. A média de desembolsos do BNDES para a exportação foi inferior a US$ 1 bilhão nos últimos anos, retornando a valores da década de 1990. Já chegamos a fazer mais de US$ 11 bilhões em desembolsos em 2010.
REVISTA INDÚSTRIA BRASILEIRA - Quais setores devem ser prioritários na atuação do BNDES?
JOSÉ LUIS GORDON - A transição energética, a transformação digital e o fortalecimento de cadeias estratégicas, entre elas a do complexo da saúde, serão eixos orientadores da ação do BNDES para a indústria. Na agenda de transição energética, além da continuidade do apoio aos projetos de geração de energia de fontes renováveis, daremos ênfase às iniciativas para descarbonização da matriz de transporte e aos projetos de economia circular.
REVISTA INDÚSTRIA BRASILEIRA - E na área da saúde?
JOSÉ LUIS GORDON - Na área de saúde e em outras cadeias importantes, o ambiente global após a pandemia da Covid-19, agravado pelas incertezas geopolíticas recentes, deixou clara a necessidade de o país reduzir a vulnerabilidade da oferta, o que se mostrou particularmente crítico em insumos farmacêuticos, fertilizantes e semicondutores. O BNDES atuará fortemente no enfrentamento desse desafio.
REVISTA INDÚSTRIA BRASILEIRA - O sr. mencionou, também, a transformação digital. Poderia explicar como seria a atuação do BNDES nessa área?
JOSÉ LUIS GORDON - No eixo de transformação digital, uma primeira dimensão diz respeito à expansão da conectividade, dada a oferta assimétrica de banda larga no país. A defasagem de atendimento é particularmente aguda na educação, em que o número ainda elevado de escolas públicas desconectadas ou com conexão deficiente reforça as desigualdades de oportunidade e as disparidades regionais.
Já para as indústrias, em especial as micros e pequenas empresas (MPMEs), a digitalização de processos básicos e a inserção de novas tecnologias de manufatura avançada são essenciais para a recuperação da produtividade econômica, ajudando também a promover a integração da indústria com o setor de serviços de valor agregado.
Além desses três eixos, é importante acrescentar as oportunidades oriundas da bioeconomia, que se desdobram em produtos da química verde e de biomateriais.