A atual crise política acendeu a luz amarela para a recuperação da economia. A avaliação é do diretor para o Brasil da Eurasia Group, uma das principais consultorias de análise de risco político do mundo, João Augusto de Castro Neves. “Na agenda fiscal, o impacto é óbvio e mais grave, chegando à paralisação, na prática, especialmente com a reforma da Previdência”, diz, em entrevista à Agência CNI de Notícias. Ele considera a agenda de reformas “ótima e ambiciosa”, aponta o risco de que um eventual prolongamento da crise prejudique o avanço das propostas, mas pondera que há a percepção no mundo político de que é preciso votar as propostas para preparar o país para depois das eleições de 2018. “Vamos empurrar para o próximo governo uma dificuldade maior. Muitos que estão olhando para 2018 estão torcendo para que essas reformas passem agora, porque facilita a vida para se fazer outras reformas”, alertou. Confira a entrevista na íntegra:
AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS - O cenário político volta a afetar a economia. Que avaliação o senhor faz do impacto desta nova crise sobre a agenda econômica e as reformas?
JOÃO AUGUSTO DE CASTRO NEVES - Sem dúvida, a crise política é uma fonte enorme de preocupação. Na agenda fiscal, o impacto é óbvio e mais grave, chegando à paralisação, na prática, especialmente com a reforma da Previdência. Agora, na agenda microeconômica e setorial, podemos ainda ver algum movimento, como a leitura do parecer da reforma trabalhista, na última terça-feira (23), algumas medidas provisórias que podem caminhar paralelamente à crise. Essa agenda, que é ótima e ambiciosa, como no setor de petróleo, independe do Congresso, mas ela afeta os mercados e, na medida que há volatilidade, há o risco de termos atrasos em novas rodadas de leilões. Essa é uma luz amarela para a retomada da economia.
Sem a agenda fiscal, que fica mais comprometida no curto prazo, a agenda micro também é afetada. Temos investidores olhando para o Brasil, e o governo e o Congresso têm feito o que podem nessa agenda – como na área trabalhista e em outras propostas –, a qual têm avançado. Mas, na nossa visão, o efeito deve ser no curto prazo, uma vez que acreditamos que a resolução da crise política não vai demorar tanto e quem quer que substitua o presidente (Michel) Temer consiga tocar essa agenda de reformas.
AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS - Qual é a expectativa dos efeitos sobre os indicadores recentes da economia – inflação, CAGED e a prévia do PIB (ICBr) – que apontavam para a estabilização da economia e a retomada do crescimento?
JOÃO AUGUSTO DE CASTRO NEVES - O Brasil teve uma década perdida em termos de crescimento, nesses últimos dois ou três anos, e 2017 seria o ano da saída, já em território positivo, o que é um excelente sinal. No entanto, uma crise política prolongada ameaça esses números da economia, que são muito frágeis, com indicadores positivos e negativos. De fato, ainda não estamos fora da zona de risco, por isso o timing da crise é crucial. Se for muito prolongada, temos o risco de que uma mudança de humor possa contaminar a economia real, com corte nos investimentos e, assim, desacelerar a retomada.
AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS - A equipe econômica tem ido a público, nos últimos dias, reforçar o empenho pela aprovação das reformas. Isso pode contribuir para se manter o ímpeto das reformas?
JOÃO AUGUSTO DE CASTRO NEVES – No que diz respeito à reforma da Previdência, ela não anda enquanto não se resolver a crise. O governo não tem voto para passar uma emenda constitucional. Claro que a tentativa de ministros e de alguns líderes do Congresso é tentar sinalizar algum grau de normalidade, o que a gente chama de ancorar as expectativas, seja do mercado, seja da base aliada. Agora, isso é limitado. Em relação às grandes propostas, como as que necessitam de mudança constitucional, não há clima para votar. As infraconstitucionais, como a trabalhista, podem ter avanço.
AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS - O que esperar para o Brasil, após as eleições de 2018, caso o Congresso Nacional não aprove esta agenda de reformas iniciada no ano passado?
JOÃO AUGUSTO DE CASTRO NEVES – Quem quer que assuma em 2018 terá o desafio de conduzir uma segunda onda de reformas. Tudo que está sendo feito no Brasil, em termos de reformas, é bom, mas não resolve. Não se trata de uma bala de prata para os nossos problemas. A própria reforma da Previdência estanca o sangramento (das contas públicas), mas não é suficiente e o próximo governo terá de continuar com esta agenda. O grande desafio do próximo governo deve ser a reforma tributária, além de temas da agenda comercial e a reforma política, necessária para tornar nosso sistema mais eficiente e menos custoso. A demanda por uma pauta reformista continuará para o próximo governo.
A vantagem de ter o trabalho feito agora é que se consegue tirar do caminho algumas questões mais emergenciais e deixar o próximo governo pronto para adotar, digamos, essa segunda leva de reformas. Se há uma crise agora e não se consegue fazer essas reformas, vamos empurrar para o próximo governo uma dificuldade maior. Muitos que estão olhando para 2018 estão torcendo para que essas reformas passem agora, porque facilita a vida para se fazer outras reformas. A tributária, por si só, deve ser tão difícil ou mais de passar que a da Previdência. O movimento de reformas continuará.
AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS – Como o cidadão será afetado neste cenário de curto prazo?
JOÃO AUGUSTO DE CASTRO NEVES - Fica ainda mais evidente para o cidadão comum que há algo de errado com nosso sistema político, que não apenas consome muitos recursos - é caro de se manter - como atrapalha a resolução de muitos problemas, como as reformas. A crise atual aumentará a raiva do eleitorado com a classe política, alimentando um sentimento anti-establishment em 2018. O problema é que, com as regras eleitorais atuais, a qualidade de nosso Congresso não vai mudar muito.
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