Legislação trabalhista está desatualizada, afirma presidente do TST

Presidente do Tribunal Superior do Trabalho discute necessidade de modernização da CLT e legislação trabalhista

“Prestigiar a negociação coletiva, em que as novas condições de trabalho serão fixadas pelas próprias partes”, é a principal medida para atualizar a legislação trabalhista, segundo o presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), Ives Gandra da Silva Martins Filho. “Ninguém reforma uma casa para piorá-la. E também se busca a melhor época do ano para fazer a reforma. Mas se a casa está com o telhado arrebentado, é no meio da chuva mesmo que vai ser feito o serviço”, avalia o magistrado, numa referência clara à urgência de uma reforma neste momento de crise econômica. Bacharel em Direito pela Universidade de São Paulo (USP), Martins Filho é ministro do TST desde 1999 e, desde fevereiro, ocupa a presidência do tribunal. Confira a entrevista realizada pela revista Indústria Brasileira com Ives Gandra:

AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS - É necessário modernizar a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) e a legislação trabalhista para adequá-la aos novos tempos?

Ives Gandra - Tanto é necessária a atualização que, à míngua de alterações legislativas, a Justiça do Trabalho tem dilatado direitos por meio de acentuado ativismo judiciário, mas penso que esse papel deve caber ao Poder Legislativo.

AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS - É possível fazer alguma comparação, do ponto de vista das relações trabalhistas, entre o Brasil de Getúlio Vargas e o Brasil de hoje?

Ives Gandra - De um Brasil principalmente agrícola se avançou para um Brasil industrializado, até chegarmos à era da informática, em que a modalidade do teletrabalho vem a exigir regulamentação específica. O mesmo ocorre com o fenômeno das cadeias de produção, reclamando o estabelecimento de marco regulatório específico para a terceirização.

AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS - Que alterações podem ser feitas para modernizar a legislação trabalhista?

Ives Gandra - Fundamentalmente, prestigiar a negociação coletiva , em que as novas condições de trabalho serão fixadas pelas próprias partes. O Projeto de Lei no 4.962/16, que tramita na Câmara dos Deputados, é exemplo de modificação tópica que já traça parâmetros concretos de flexibilização com vantagens compensatórias que dispensariam um pente fino na CLT.

AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS - Quando se fala em reforma trabalhista, os sindicatos dos trabalhadores sempre alertam para uma possível perda de direitos e os empresários destacam a necessidade de modernizar a legislação para preservar o emprego e tornar o Brasil mais competitivo. Como compatibilizar esses dois pontos de vista?

Ives Gandra - Ninguém reforma uma casa para piorá-la. E também se busca a melhor época do ano para fazer a reforma. Mas se a casa está com o telhado arrebentado, é no meio da chuva mesmo que vai ser feito o serviço. A crise econômica afeta tanto empregados quanto empresas. Assim, é o momento de se fazer, urgentemente, uma reforma, para melhorar o sistema protetivo, de modo que a proteção seja real e não apenas fictícia.

AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS - Como o senhor avalia a decisão do governo Temer de enviar uma proposta de reforma trabalhista ao Congresso Nacional?

Ives Gandra - Louvo a iniciativa e espero que tenha sucesso, vencendo preconceitos que não se justificam, uma vez conhecidas e debatidas as propostas.

AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS - Muitas empresas já firmaram acordos coletivos nos quais houve redução do horário de almoço com consequente diminuição da jornada diária de trabalho, mas suspenderam o acordo depois que trabalhadores demitidos recorreram à Justiça pedindo indenização porque não tinham uma hora de almoço. Como o senhor vê isso?

Ives Gandra - Depois da decisão unânime do Supremo Tribunal Federal em precedente reformando decisão do TST sobre a flexibilização de normas trabalhistas, a rigor não seria sequer necessária reforma para prestigiar a negociação coletiva. Bastaria a disciplina judiciária à orientação do STF.

AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS - O invalidação pela Justiça do Trabalho de instrumentos coletivos negociados de forma legítima tem servido de desestímulo ao diálogo entre empresas e trabalhadores?

Ives Gandra - Imagine a insegurança das empresas quando se tem um acordo combinado com os trabalhadores, no qual a empresa deu uma vantagem compensatória para ter a flexibilização do direito. A Justiça cancela a cláusula do direito flexibilizado, mas a cláusula compensatória é mantida. A empresa não vai querer mais negociar.

AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS - Qual é o efeito mais amplo dessas decisões, em termos econômicos e para a modernização das relações do trabalho no Brasil?

Ives Gandra - Se a Constituição é claríssima ao permitir a flexibilização de jornada e salário, como uma válvula de escape pensada pelo constituinte de 1988 para se ajustar as relações de trabalho em época de crise econômica, na hora que vem a crise não permitir que se flexibilize você arrebenta com as empresas e não há mais válvula de escape nenhuma. Quem padece também é o trabalhador: quebra a empresa e o trabalhador fica desempregado.

AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS - Como as instâncias da Justiça do Trabalho têm absorvido a jurisprudência do STF que determina que um instrumento coletivo, quando firmado de forma legítima, deve ter força de lei?

Ives Gandra - Tem sido ainda refratários. Tanto que o ministro Luís Roberto Barroso (autor do voto que gerou a jurisprudência) mostra que a racionalidade de sua decisão não é só para a cláusula da negociação analisada no processo, mas é para tudo que diga respeito à negociação, como salário e jornada.

AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS - Outro ponto muito polêmico é a regulamentação da terceirização. Qual a sua opinião sobre o tema?

Ives Gandra - Não dá mais para continuarmos tendo como único marco regulatório da terceirização uma súmula do TST. É preciso uma norma mais detalhada, que abranja também o setor público, impeça abusos e não exija que fiscais do trabalho se tornem juízes, na interpretação da jurisprudência do TST.

AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS - Num momento de crise como o atual, com o desemprego em 11%, o senhor acha possível o país chegar a um consenso sobre a reforma trabalhista?

Ives Gandra - Sempre acredito na capacidade de se chegar a consensos, quando o que todos buscamos é a harmonização das relações trabalhistas. Em dois anos como vice-presidente do TST consegui, em plena crise econômica, firmar acordos em que, em face de reajustes salariais abaixo da inflação, as empresas concederam vantagens compensatórias que atraíram os trabalhadores. Por que o mesmo não pode ser conseguido mais amplamente?

AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS - Hoje, quais sãos os principais riscos e desafios para o Direito do Trabalho?

Ives Gandra - Manter uma legislação antiga desatualizada, com interpretação rígida a favor do trabalhador e flexível para ampliar-lhe direitos. É preciso encontrar o ponto de equilíbrio que, na dicção do artigo 766 da CLT, assegure justos salários aos trabalhadores e justa retribuição às empresas. Qualquer fórmula que faça a balança da Justiça pender principalmente para um lado só acirrará o conflito social. E isso ninguém deseja pois, no meu modo de ver, empregados e empresários são parceiros num empreendimento comum, em que o sucesso de um é o sucesso do outro.

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REPRODUÇÃO DA ENTREVISTA - As entrevistas publicadas pela Agência CNI de Notícias podem ser reproduzidas na íntegra ou parcialmente, desde que a fonte seja citada. As opiniões aqui veiculadas são de responsabilidade do autor. Em caso de dúvidas para edição, entre em contato pelo e-mail [email protected].

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