Indústria é escola produtiva

Defensor do conhecimento como motor da prosperidade econômica, Paulo Gala destaca a importância da indústria na construção de riqueza para as nações

Economista, professor da Fundação Getulio Vargas (FGV) e autor do livro Brasil, uma economia que não aprende, Paulo Gala é enfático ao relacionar o desenvolvimento econômico de um país à sua capacidade de aplicar conhecimento à produção. “Países emergentes apenas usam as máquinas; países ricos produzem as máquinas no coração de seus sistemas industriais”.

REVISTA DA INDÚSTRIA BRASILEIRA - Como o senhor avalia a política industrial do Brasil?

PAULO GALA - Erros de política industrial não significam que ela não funciona. O fato de o Brasil não ter conseguido avançar mais no mercado mundial significa apenas que não executou essa política de maneira adequada, com destaque para metas de exportação, de sofisticação tecnológica e de conquista de mercados mundiais. Abrir mão de políticas industriais significa abrir mão da possibilidade de se desenvolver.

REVISTA DA INDÚSTRIA BRASILEIRA - Em que medida o sistema financeiro pode potencializar a atividade industrial?

PAULO GALA - O salto de escala e tecnológico das indústrias de países pobres e de renda média não vai ocorrer sem políticas adequadas que recuperem o papel dos bancos públicos como o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). A experiência asiática da segunda metade do século XX demonstra que é incontornável a constituição de um sistema financeiro formado pela interação virtuosa entre grandes bancos comerciais públicos e privados.

REVISTA DA INDÚSTRIA BRASILEIRA - Entre as demandas do setor industrial para a retomada econômica está o prolongamento dos programas emergenciais de financiamento e da política de expansão de crédito. Qual é a sua opinião sobre essa sugestão?

PAULO GALA - A implosão da economia brasileira em 2014 e 2015 arrastou nossa indústria para uma monumental queda até hoje não recuperada. O pouco que crescemos foi baseado em serviços de baixa qualidade e na geração de empregos com salários menores e mais precários. O auxílio emergencial, somado a uma taxa de câmbio mais desvalorizada e juros Selic no nível mínimo, trouxe novas perspectivas. Tudo isso deveria ser mantido em 2021, claro que com níveis menores do auxílio emergencial.

REVISTA DA INDÚSTRIA BRASILEIRA - O senhor costuma dizer que "a indústria é a escola produtiva da economia". O que isso significa exatamente?

PAULO GALA - O conhecimento formal codificado, com alfabetização, conhecimento matemático e científico, é importante para adquirir habilidades necessárias à prática profissional. Mas é na prática em si que o conhecimento do tipo não codificado, que se manifesta no know-how embutido em rotinas inconscientes e muitas vezes complexas, é compreendido e internalizado. Isso ocorre, em geral, no setor manufatureiro e de serviços complexos atrelados. A indústria converte o capital humano aprendido nas escolas em produtos e serviços de alto valor agregado.

REVISTA DA INDÚSTRIA BRASILEIRA - E como o setor industrial contribui para a formação desse conhecimento?

PAULO GALA - Embora muitas empresas de países em desenvolvimento possam adquirir máquinas para atividades básicas de produção e contem com razoável disponibilidade de trabalhadores qualificados, falta-lhes a capacidade de produzir novas tecnologias e novas máquinas. Tecnologias demandam um complexo processo de aprendizagem produtiva.

Esse tipo de dinâmica de inovação e aprendizagem se encontra, na maioria das vezes, no setor industrial. Países emergentes apenas usam as máquinas; países ricos produzem as máquinas no coração de seus sistemas industriais.

REVISTA DA INDÚSTRIA BRASILEIRA - Um dos problemas do país é a baixa escolaridade da população. Em que medida reverter esse cenário vai contribuir para o crescimento da produtividade industrial?

PAULO GALA - É ilusório acreditar que a mera escolarização da população será capaz de elevar a produtividade aos níveis requeridos pela competitividade global. A transformação estrutural em tempos de acelerada evolução tecnológica requer uma estratégia de aprendizagem tecnológica eficaz. Para tanto, é preciso identificar os hiatos de conhecimento nas indústrias e as políticas que podem ser implementadas para lidar com essas deficiências.

REVISTA DA INDÚSTRIA BRASILEIRA - Qual é a relevância da indústria para o desenvolvimento econômico de uma nação?

PAULO GALA - Desenvolvimento econômico é o acúmulo de capital humano e de conhecimento de uma sociedade que se traduz na capacidade de produzir bens e serviços complexos. E o setor industrial é o único capaz de converter o acúmulo de conhecimento em produtos e serviços que geram a riqueza das nações.

Quando um país enriquece, a indústria perde participação absoluta no PIB, mas continua enorme em termos absolutos. Países ricos têm a maior produção industrial do mundo, tanto em termos absolutos quanto per capita. Não existe desenvolvimento econômico sem um setor industrial pujante.

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