Brasil tem competência técnica para desenvolver projetos de reúso de água

Em entrevista à Agência CNI, Alejandro Sturniolo, diretor da Associação Latino-Americana de Dessalinização e Reutilização de Água, disse que é preciso superar barreiras legais e ter plano para essa agenda avançar no país

Há três anos como diretor da Associação Latino-Americana de Dessalinização e Reutilização de Água (Aladyr), o argentino Alejandro Sturniolo trabalha há mais de 20 anos em projetos de dessalinização e reúso de água. Recentemente assumiu a vice-presidência da Associação Internacional de Dessalinização (IDA, na sigla em inglês), onde é diretor há dois anos.

Entre as conquistas profissionais de Sturniolo está a participação como consultor no projeto da Aquapolo, maior empreendimento de água de reúso industrial da América Latina e o quinto do mundo, localizado no polo petroquímico da Região do ABC Paulista. Fruto de uma parceria da GS Inima e a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp), fornece 650 litros de água por segundo, o que equivale uma cidade de 500 mil habitantes, como Santos (SP), por exemplo.

Estímulos a tecnologias de reuso e dessalinização de água estão na agenda da CNI para avanço da economia circular no país, que prevê o uso eficiente de recursos naturais. Em entrevista à Agência CNI de Notícias, Sturniolo destacou que esse é um exemplo de projeto que comprova que o Brasil tem competência técnica para desenvolver projetos de reúso de água. “Os técnicos do Brasil estão no mesmo nível dos de Israel, da Alemanha ou Espanha”, destaca. “Para avançar mais, o país precisa superar, sobretudo, as barreiras legais e ter plano estratégico para nortear investimentos no setor.”

Confira a entrevista.

AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS – Quais os principais desafios para o Brasil avançar na agenda de reúso de água e dessalinização?

ALEJANDRO STURNIOLO - O primeiro desafio são a legislação e um plano estratégicopara se investir em projetos de reúso de água e dessalinização. Em termos de conhecimento, os técnicos do Brasil têm o mesmo conhecimento que os de Israel, da Alemanha ou da Espanha. Então, não temos problema tecnológico ou de competitividade. O Brasil, inclusive, está exportando tecnologia de reúso de água para a América Latina.  No entanto, o país precisa de um norte sobre o destino dos efluentes. É preciso ainda criar estratégias para se proteger a indústria nacional, permitindo, por exemplo, a produção de membranas de filtração sem impostos. Tirar os impostos das membranas, hoje um comodity fara possível ser mais competitivo para exportar tecnologia. 

AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS – Como fazer com que projetos de reúso e dessalinização sejam mais atrativos?

ALEJANDRO STURNIOLO - É muito importante os primeiros projetos de grande escala serem bem-sucedidos, como foi o da Aquapolo. Há quase 10 anos foi promovido esse projeto e o Brasil deveria ter estimulado mais intensamente outros projetos nesse sentido. Em água do mar, o pré-tratamento é tudo. O metro cúbico de água do mar no Brasil pode estar na ordem de US$ 0,80 a US$ 1,00. A mesma coisa, com um pré-tratamento deficiente, pode custar US$ 2,00 o metro cúbico. No Chile, há projetos de dessalinização motivos de orgulho. Faz 10 anos que o país implementou uma planta com ultrafiltração no pré-tratamento, sendo que naquele momento não tinha mais de 100 ultrafiltrações no mundo. Ainda hoje é dos melhores modelo de dessalinização. Prova que não se deve preocupar em importar soluções, mas em conhecer as necessidades locais e adequar as soluções a elas. Eu sou fã das soluções locais. Quem tem de resolver o problema de sua casa é você.

AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS – De que forma encontrar os parceiros certos para esse tipo de projeto?

ALEJANDRO STURNIOLO - Os parceiros certos dependem do conhecimento. Lembre-se que o business driver na América Latina é o investimento. Geralmente, quando se fala em indústria, se ela pode investir somente a metade, ela vai investir a metade. Ninguém quer comprar um carro que gasta mais do que outro. Mas, geralmente, as pessoas se preocupam com a cor e assento de couro, mas ninguém se preocupa se o consumo do carro será maior ou menor. A mesma coisa acontece com uma planta de dessalinização da água do mar, por exemplo. Com 50% de investimento em uma planta correta, o funcionamento é igual, só que o custo operacional é muito maior. Vamos supor que uma planta do mar precisa trocar as membranas por 10% do valor do investimento a cada ano, é totalmente diferente de se trocar a cada dez anos. Uma membrana de tratamento da água do mar não deveria ser trocada em menos de 10 anos. Não deveria, mas o mercado fala que precisa ser trocada porque entope. Entope se não tiver o pré-tratamento correto. Então, o pré-tratamento da água do mar e de água de reúso é tudo. Então, o mercado precisa estar preparado não só para ver a ponta do iceberg, mas o iceberg todo.

AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS – Que países podem ser referências para ajudar o Brasil avançar nessa agenda?

ALEJANDRO STURNIOLO - Países que ninguém fala, mas que são referências são China e Espanha. A China pode ser, inclusive, uma ótima referência ao Brasil, por ter similaridades. A China é um país com muita gente como o Brasil e passou por uma seca parecida com a do Brasil (em 2014). A Espanha é um país agricultor igual ao Brasil, ela soube como ser competitiva dessalinizando a água do mar para a irrigação. Alem de ser o principal país europeu em reutilização e o quinto em capacidade instalada em todo o mundo. É um exemplo no uso da reutilização e, mais especificamente, na agricultura. 25% das terras agrícolas irrigadas da União Europeia correspondem à Espanha, e esse setor responde por mais de 5% da economia do país, com regiões com valores acima de 20%. Algumas províncias bastante deprimidas antes dos anos 70, como Almeria, agora são áreas ricas graças a uma indústria agrícola altamente técnica. Lógico, que temos que aprender com outros países como Israel e o Chile também. Nosso vizinho com o qual mais podemos aprender em termos de legislação é o Chile, que é muito mais parecido que Alemanha ou Israel. Esse seria o primeiro passo que eu daria se fosse o Brasil.

AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS – Como está o Brasil em relação ao reúso de água?

ALEJANDRO STURNIOLO - Em relação à América Latina, o Brasil está à frente. Se comparar com a Espanha, que é o líder de reúso do mundo, precisa de mais consultores treinados, com experiência. Não falo de tecnólogos, mas de consultores. Geralmente, os projetos se iniciam com consultores e não com tecnólogos. Eu começaria na América Latina toda com as universidades. A Espanha tem programas de reúso e dessalinização de água nas universidades. Hoje, por exemplo, pode-se fazer uma pós-graduação promovida pela Associação Espanhola de Dessalinização e Reúso por 2,5 mil euros. Não é ficção científica obter uma pós-graduação lá na Espanha e trazer para cá esse conhecimento. Acho que isso é importante.

AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS – Como acelerar esse processo?

ALEJANDRO STURNIOLO - O governo tem de apoiar, tem de por regras. Eu pergunto aos 210 milhões de brasileiros se alguém colocaria uma planta de reúso de água no fundo do quintal. Ninguém. Para ter uma planta de reúso, tem de se ter uma motivação, ou uma regra ou uma legislação que estimule isso. E hoje não tem. É preciso ainda planejamento para estimular indústrias e municípios a reutilizar água. A principal diferença entre o Brasil e os países desenvolvidos é a falta de planejamento neste tema de recursos não convencionais. Mas eu vejo um Brasil diferente e que está indo nessa direção. A indústria do Brasil está interessada no reúso e na dessalizalinização, mas ainda está tímida.

AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS – Também há barreiras culturais para o reúso.

ALEJANDRO STURNIOLO - A cultura pode ser desafio e é preciso educar sobre a questão desde a escola. A água de reúso pode ser melhor que a água da torneira e até algumas águas minerais. Na internet, vemos o Bill Gates tomando água de reúso na internet (https://www.youtube.com/watch?v=bVzppWSIFU0). O cara deve ser inteligente para chegar onde chegou, não? Falta educação, falta apoio à indústria, falta legislação, mas acredito que tudo isso será feito. Saída tem, porque em 2050 podemos estar morrendo por conta das super bactérias porque a gente não se organizou. Mas temos organizações com a Aladyr e IDA, que estão alertando sobre isso. Tem um programa que começou em Argentina de educação sobre reúso de efluentes em que quatro crianças de oito anos operaram uma planta de reúso de efluentes e a diretora do colégio tomava a agua como o Bill Gates fez (https://vimeo.com/360837440).

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