Medalha na WorldSkills é importante na minha vida até hoje, diz primeiro campeão brasileiro

Anderson Scalassara chegou ao topo do pódio em 1995, na ocupação em Tornearia Convencional e CNC na maior competição de educação profissional do mundo; hoje, aos 42 anos, ele avalia a relevância do torneio

Em 1995, na cidade francesa de Lyon, o paulista Anderson Garcia Scalassara, nascido em Campinas (SP) e criado em Pederneiras (SP), tornou-se o primeiro campeão brasileiro na WorldSkills, a competição internacional de profissões técnicas que reúne os melhores alunos do mundo. Aos 20 anos de idade, Anderson deu ao Brasil uma medalha de ouro em Tornearia Convencional e CNC. Hoje, com 42 anos, ele é diretor comercial na Indústria Pedro II, empresa de usinagem da família, e treinador da equipe de três competidores de Manufatura Integrada que participará do torneio este ano em Abu Dhabi, nos Emirados Árabes Unidos. Nesta entrevista à Agência CNI de Notícias, ele conta como foi a emoção de chegar ao topo do pódio, fala sobre a importância da vitória na sua vida e avalia as chances dos alunos do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI) que ele prepara para a competição. 

AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS - Qual é a diferença entre o treinamento que você recebeu como competidor e o que você transmite hoje como instrutor? 

ANDERSON SCALASSARA - A principal diferença é que minha preparação foi feita na minha escola ou em outra unidade que tivesse o recurso e hoje o SENAI está organizado por centros de treinamento. A principal vantagem é ter um grupo multidisciplinar de pessoas para treinar o competidor, que consegue pegar a experiência de outras modalidades. A troca de informação e de experiência está sendo fundamental para o treinamento dos atuais competidores. A modalidade que treino, a Manufatura Integrada, exige uma série de conhecimentos distintos: de usinagem convencional (tanto em torno quanto fresa), de fresagem em CNC, de utilização de CAD, eletrônica e solda. Em Joinville, por exemplo, temos competidores de CNC, e eu acabei utilizando na minha equipe algumas técnicas usadas por eles. É uma somatória de crescimento no treinamento, evoluímos muito na forma de treinar os competidores. 

AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS - Qual é a sua avaliação sobre a perspectiva de medalha dos competidores brasileiros na sua área? 

ANDERSON SCALASSARA - Eles têm potencial de medalhas, estamos trabalhando para isso. Estamos tentando minimizar, durante o treinamento, os aspectos comportamentais, psicológicos, que afetam muito durante a competição. Se eles conseguirem repetir o que estamos fazendo durante o treinamento, eu acredito muito em uma medalha, mesmo diante da característica dessa modalidade, que envolve muita criatividade. Nós não sabemos como os outros países desenvolveram o produto que tem de ser apresentado na competição, pode ser que eles criaram algo muito inovador, de baixo custo e rápida produção e que atenda às especificações de maneira precisa. De toda forma, estou muito confiante com a experiência que tenho na área. 

AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS - O que deve fazer a diferença para um brasileiro conseguir uma medalha em Abu Dhabi? 

ANDERSON SCALASSARA - Partimos do princípio de que todos os competidores brasileiros fizeram excelente treinamento e estão em bom nível técnico, o que é um pré-requisito para fazer parte da delegação. Diante disso, o grande diferencial do competidor é manter o foco na maneira como foi treinado, não querer inventar de última hora. Se ele mantiver o foco na competição e o equilíbrio emocional, há 99% de chance de conseguir uma medalha. A competição não é com um concorrente de outro país, mas com a própria performance.

AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS - Qual é a emoção para um jovem estar em outro país representando o Brasil em uma competição desse porte?

ANDERSON SCALASSARA - É difícil descrever. É uma emoção muito grande ouvir o hino nacional, com sua bandeira, mostrando para o mundo que a gente é capaz, com todo o sacrifício do treinamento. Passa um filme muito rápido na mente de toda sua dedicação. É indescritível a emoção de representar o país e, principalmente, ganhar uma medalha no mundial. 

AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS - Quando você foi para o torneio na França, você imaginava que iria ganhar uma medalha de ouro? 

ANDERSON SCALASSARA - Não. Nós saímos do Brasil com um conceito de fazer o melhor possível e, se acontecesse algo, tínhamos de pensar na equipe, pois havia uma classificação do país. No meu primeiro dia de competição na França, eu não consegui fazer nada porque tinha uma máquina CNC computadorizada. Eu não conseguia trabalhar com ela porque não tinha no Brasil, e eu quase desisti. Em um certo momento, eu me lembrei do compromisso entre colegas, que tínhamos de fazer de tudo para não tirar zero, porque todo o Brasil ia despencar na classificação geral. Então eu resolvi voltar e fazer o que estava a meu alcance. No dia seguinte, eu pensei uma nova estratégia para trabalhar com a máquina, que, em dois minutos, funcionou. O que eu tinha de fazer em 11 horas, eu fiz em 6 horas, o que me colocou novamente no jogo. Em seguida, eu tirei de letra a máquina convencional que havia no Brasil. Por consequência veio a medalha, mas na minha cabeça eu fui para a representar o país. 

AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS - Qual foi a importância dessa medalha para sua vida?

ANDERSON SCALASSARA - Representou muito, especialmente reconhecimento. Eu acredito que até hoje estou envolvido na competição como expert, em parte, devido a esse resultado lá atrás. Foi o pontapé, muitas portas se abriram para mim. É muito importante até hoje na minha vida. Com essa medalha e com meu salário, eu paguei minha faculdade, continuei minha formação. Para começar a vida profissional foi muito importante, foi uma oportunidade única.

AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS - O que se aprende na competição que um competidor pode levar para a carreira dele?

ANDERSON SCALASSARA - Principalmente planejamento. É muito comum os garotos fazerem a atividade sem pensar por que estão fazendo e, no treinamento, se exige muito planejamento, fazer com que o que ele está planejando ocorra da maneira como ele pensou. O treinamento também ensina a ter responsabilidade em atender o que é exigido, com pontualidade e com precisão, ou seja, a ter um comportamento de profissional. Eles acabam lapidados para se comportarem como profissionais, como é no mercado de trabalho. Se você estiver em uma empresa e chegar atrasado, deixar de entregar uma tarefa, você é demitido. É uma das falhas da educação regular no Brasil: deixar de preparar para o mercado de trabalho. 

AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS - Participar de uma competição de alto rendimento como essa faz a diferença para um jovem no mercado de trabalho?

ANDERSON SCALASSARA - O competidor da WorldSkills é um profissional que chega com elevado nível de competência comparado com os demais, são garotos diferenciados. É um importante trampolim para quem quer vencer na vida, especialmente para jovens de baixa renda. Pode ser que ele não queira continuar o resto da vida como um eletricista, um torneiro, mas eu acho que, para começar a vida profissional, é muito importante, especialmente se ele estudou no SENAI. Eu conheço muitas empresas que, na hora de contratar um engenheiro, se o garoto tem no currículo o SENAI nos primórdios da sua formação, ele entra com prioridade. O curso e o treinamento fazem a diferença na vida profissional.

AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS - Qual o benefício para o Brasil de participar de competições como a WorldSkills, na sua opinião? 

ANDERSON SCALASSARA - A equipe do Brasil quando chega hoje na competição é respeitada por todos os países porque é referência mundial. A contratação pela Rússia para treinar seus competidores prova isso (o SENAI treinou 37 competidores e instrutores russos para a WorldSkills em Abu Dhabi). E o importante é que isso tudo a gente acaba transmitindo para nossos alunos, conforme vai chegando a tecnologia. Acho que o Brasil só tem a ganhar. A quantidade de jovens que, nos últimos 30 anos, a gente conseguiu dar um futuro diferente, e que hoje são referência em suas comunidades, já valeu a pena. Educação tem de trabalhar de forma diferenciada, o país precisa investir nisso. 

AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS - Você recomenda a um jovem que faça um curso de educação profissional? 

ANDERSON SCALASSARA - Eu recomendo muito ao jovem de hoje entrar em contato com o SENAI, identificar o curso da área que ele mais tem aptidão e, se ele fizer um curso, por exemplo, com 14, 15 anos, ele vai estar se profissionalizando desde cedo. Se ele não gostar do curso, ele pode partir para outro, e, de uma maneira rápida, ele consegue descobrir sua vocação para o futuro profissional. Ele também pode conseguir um emprego e, com o salário, financiar uma graduação e continuar crescendo profissionalmente. É um bom caminho para ter um futuro brilhante. Cada vez mais, o mercado de trabalho vai precisar dessa mão de obra técnica. 

COBERTURA COMPLETA:
- Veja as fotos do dia a dia da nossa delegação em Abu Dhabi no Flickr da CNI.
- Conheça os nossos competidores na WorldSkills 2017
- Acompanhe a participação do Brasil no mundial em um site especial aqui no Portal da Indústria!

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