Por que a energia está tão cara e como reduzir seu custo?

Em artigo publicado no Poder360, a diretora de Relações Institucionais da CNI, Mônica Messenberg, aponta caminhos para o aumento da competitividade do setor elétrico

A questão do custo das contas de luz no Brasil é tão relevante que até o Conselho Mundial de Energia classifica o sistema elétrico brasileiro em seu World Energy Trilemma Index com bons conceitos nos quesitos de segurança energética e sustentabilidade ambiental. Entretanto, atribui uma nota mais baixa para o preço da energia.

Existem fatores conjunturais e estruturais que explicam o elevado preço da energia no Brasil. Tivemos dois fenômenos nos últimos anos: a Covid-19 e o esvaziamento dos reservatórios das usinas hidrelétricas, em 2021. Veio então a tal Conta Covid, reflexo do modelo institucional do setor elétrico brasileiro, implantado em 2004, por meio da lei 10.848/2004, que estabeleceu um sistema de regulação por incentivo com tarifas pelo preço teto para o mercado regulado (ACR).

Por esse sistema, a tarifa de cada distribuidora é estabelecida no processo de revisão tarifária periódica para um determinado montante de energia previsto para o chamado “ano teste”. Nos anos subsequentes do ciclo tarifário, essa tarifa é aplicada e os riscos ordinários de mercado são da distribuidora.

Quando ocorre um fato extraordinário não dependente da gestão da distribuidora ou impossível de ser previsto pela mesma, que altera o mercado e causa desequilíbrio nas receitas, a regra prevê um processo de revisão extraordinária das tarifas. Trata-se de uma maneira de compensar as perdas ocasionadas pela variação não ordinária do mercado. Foi isso que ocorreu a partir de março de 2020, com o começo da pandemia. Para não haver aumento das tarifas em plena pandemia, o governo publicou o Decreto nº 10.350/2020 e, a partir de então, as distribuidoras de energia aderiram ao financiamento da Conta Covid.

Com a pandemia, as medidas sanitárias adotadas a partir do fechamento de estabelecimentos comerciais provocaram redução de cerca de 15% no mercado de energia elétrica do Brasil e impacto de R$ 335 milhões, sem a correspondente queda nas despesas. Em função da rigidez dos contratos de compra de energia para atendimento aos consumidores finais e da insuficiência dos mecanismos de alívio, o MME reconheceu que o excesso de contratação decorrente da queda de mercado ocasionada pela pandemia foi involuntário, ou seja, sujeito a repasse tarifário. Foram mais R$ 523 milhões, provocados pela chamada sobre contratação involuntária das distribuidoras.

Além disso, a perda de renda da população e as medidas governamentais de proibição do corte de fornecimento, elevaram os índices de inadimplência de um patamar histórico de 3,3% para 14%. Isso causou uma perda de R$ 442 milhões. 

O Brasil tem uma das matrizes energéticas mais limpas do mundo, com mais de 80% da energia elétrica gerada a partir de fontes renováveis. Mas o problema é que não construímos mais usinas com reservatório. Ao mesmo tempo em que os fenômenos climáticos estão se tornando cada vez mais intensos e frequentes, é importante ressaltar que contamos com a vantagem de um grande sistema interligado, constituído por linhas de transmissão que permitem explorar as complementaridades hidrológicas entre as diferentes bacias hidrográficas.

Pelo fato de a matriz energética brasileira ser predominantemente hidráulica, com a escassez de chuvas no último ano, a geração hidrelétrica ficou aquém das possibilidades das usinas. Com isso, termelétricas, mais caras, tiveram de ser acionadas para garantir o abastecimento do país. 

Nos momentos de escassez hídrica, cabe aos tomadores de decisão não deixar os reservatórios esvaziarem muito. Para isso, usam as usinas termoelétricas que ficam na reserva e são acionadas na medida em que a reserva hidráulica diminui. Essas usinas são acionadas na ordem crescente dos custos de geração. O que ocorreu em 2021 foi uma demora no acionamento das usinas mais baratas. Todas as térmicas tiveram de ser acionadas, inclusive as mais caras. O medo de aumentar as tarifas nos fez pagar mais caro depois que o problema se agravou. Só foi possível evitar um racionamento de energia em razão da retração do mercado ocasionada pela pandemia.

A dependência das chuvas pode ser mais bem trabalhada. Basta melhorar o processo decisório sobre o uso dos recursos disponíveis. Fato é que não haverá solução no curto prazo para que o preço da geração de energia diminua. Estamos saindo de uma crise hídrica, cujo custo continuaremos pagando nos próximos anos, e já se sente os efeitos da invasão da Ucrânia pela Rússia, com a disparada do preço do petróleo. 

Outro fator que impacta no preço da energia são os encargos tarifários – penduricalhos colocados na tarifa sob forma de “subsídios cruzados” com incentivos para determinados segmentos e políticas sociais de distribuição de renda. Em termos técnicos, a tarifa aplicada a determinados segmentos e usuários é menor do que deveria ser. Essa diferença, atualmente, é paga pelos demais consumidores. Existem subsídios para o carvão, setor de saneamento, consumidor rural, irrigante, consumidor de baixa renda e para as chamadas fontes incentivadas. Agora, temos a oficialização dos subsídios à micro e à mini geração distribuída. De cada R$ 100 que um consumidor residencial paga de conta de luz, R$ 45 são tributos e encargos. A distribuidora é uma mera arrecadadora e repassadora dos recursos. 

O Conselho Mundial de Energia trata o momento atual como a época da transição energética. O grande desafio é garantir a continuidade do conforto da vida moderna e, ao mesmo tempo, migrar para uma matriz energética com menos emissões. As mudanças ocorrerão de três formas primárias: com descarbonização, descentralização e digitalização. 

Não há espaço para se repetir os erros do passado. Qualquer proposta de alteração do modelo do setor elétrico precisará tratar da questão dos subsídios e tributos. Não há como pautar a modicidade tarifária na agenda de governo sem colocar luz sobre a pesada parcela de encargos que oneram um serviço essencial à população. 

Neste caso, uma forma de desonerar os consumidores de energia seria estabelecer um arcabouço legal transferindo para o tesouro a conta da CDE. Isso reduziria cerca de R$ 23,9 bilhões, por ano, nas contas de luz, o que significaria 13,2% a menos, a ser pago pelos consumidores.

Uma iniciativa que poderá aumentar a competitividade ao setor elétrico é o PL 414/2021, que propõe uma reestruturação do modelo de regulação do setor elétrico, com a redução gradual dos requisitos de carga e tensão para acesso ao mercado livre, alterações no formato dos leilões de energia, na tarifação dos consumidores e na separação entre lastro e energia.

A aprovação do projeto possibilitará a expansão do mercado livre de energia elétrica, proporcionando ganhos de eficiência na gestão do suprimento, contratos adaptados às características do negócio e a possibilidade de modicidade de preços, sem que os consumidores que optem por permanecer no mercado regulado subsidiem aqueles que migrarem para o mercado livre.

* Mônica Messenberg é diretora de Relações Institucionais da Confederação Nacional da Indústria (CNI)

O artigo foi publicado no Poder360.

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