Iguais, mas diferentes

Em artigo publicado no portal do Jota, o coordenador de Propriedade Intelectual da CNI, Fabiano Barreto, explica o porquê das micro e pequenas empresas merecerem tratamento simplificado e diferenciado

Foto: empreendedor

Com origem Constitucional¹, o tratamento jurídico simplificado para micro e pequenas empresas foi criado para igualar condições, na medida das diferenças entre os menores e os maiores. É um instrumento de equidade.

Complementado por leis, o regime diferenciado de micro e pequenas empresas prevê regras mais simples, por exemplo, em relação à apuração e recolhimento dos impostos, ao cumprimento de obrigações trabalhistas e previdenciárias, ao acesso a crédito e ao mercado.

Sendo parte do ordenamento jurídico brasileiro, a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) não poderia se afastar da previsão Constitucional, sob risco de tornar as suas obrigações inexigíveis². A LGPD previu explicitamente a edição de normas, orientações e procedimentos simplificados e diferenciados, inclusive quanto aos prazos, para as empresas de menor porte.

A definição dos diferentes níveis de simplificação da LGPD para os pequenos negócios é um exercício de lógica e razoabilidade.

A premissa básica para a criação de uma lei de proteção de dados pessoais é a possibilidade de existir um dano ao indivíduo por meio do uso das suas informações.

Nem todas as empresas tratam o mesmo volume de dados ou oferecem o mesmo grau de risco, por exemplo, em função da natureza dos dados processados. A empresa que tem acesso ao comportamento de milhões de brasileiros gerencia um risco muito maior que a pequena empresa do bairro que pede o número de telefone dos clientes para o envio de novidades.

Se o objetivo da lei é proteger o indivíduo e se as atividades empresariais oferecem graus diferentes de risco, é lógico e razoável que a lei as trate de forma diferente.

No Brasil, as micro e pequenas do setor industrial são empresas dos ramos de confecção, fabricação de produtos de padaria, móveis, embalagens de plástico, impressão, serviços de usinagem e solda.

Nessas indústrias de menor porte, o tratamento de informações pessoais não representa a atividade principal. Com um volume de dados baixo, muitas vezes coletados apenas por obrigações legais (por exemplo, dados de saúde coletados durante o exame admissional), essas empresas não oferecem riscos que justifiquem o tratamento legal idêntico àquele das grandes.

Num recorte por número de empregados, a última edição da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS) indica que 85% empresas industriais têm menos de 20 trabalhadores, muitos dos quais com qualificações técnicas específicas, como costura, marcenaria, operação e manutenção de máquinas. Não é razoável propor realocar um destes profissionais, com impactos na produção, num trabalho de adequação à LGPD.

A simplificação da LGPD para micro e pequenos negócios também precisa considerar  a condição financeira dessas empresas. De acordo com estimativas divulgadas  pela mídia³, o salário médio de um encarregado de proteção de dados é de R$ 20 mil por mês. Considerando encargos, sozinho, o encarregado consumiria integralmente a receita bruta anual de uma microempresa no Brasil, cujo teto de faturamento é R$ 360 mil por ano.

A dispensa de determinadas obrigações, além de promover a desoneração de empresas que não oferecem riscos aos titulares de dados, permitirá que a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) se concentre nos casos de relevo. Esse tipo de abordagem já existe no ordenamento brasileiro, por exemplo, o valor mínimo de faturamento para as análises a serem submetidas ao controle prévio do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE)⁴.

Diante dessa realidade, é positiva a priorização dada à regulamentação do tratamento simplificado e diferenciado às micro e pequenas empresas pela ANDP, indicada na agenda regulatória para o biênio 2021-2022 da Autoridade, e materializada na consulta pública 1/2021.

No entanto, ainda que a consulta pública seja um avanço, não evita que, pelo menos até a conclusão do processo de avaliação das contribuições (o que pode levar meses), as empresas desperdicem recursos numa adequação que será simplificada pela ANPD.

O estabelecimento imediato de norma transitória, dispensando provisoriamente as micro e pequenas empresas de determinadas obrigações, como a nomeação de encarregado, o registro das atividades de tratamento e a elaboração de relatórios de impacto, pode contribuir para evitar o desperdício de recursos escassos, sem afetar os titulares dos dados. 

Até a definição do regulamento específico para as empresas de menor porte,  a norma transitória é o caminho para dar eficácia ao instrumento de equidade e cumprir a previsão Constitucional.

¹ Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 - Art. 179. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios dispensarão às microempresas e às empresas de pequeno porte, assim definidas em lei, tratamento jurídico diferenciado, visando a incentivá-las pela simplificação de suas obrigações administrativas, tributárias, previdenciárias e creditícias, ou pela eliminação ou redução destas por meio de lei. 

² Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006 - Art. 1º  Esta Lei Complementar estabelece normas gerais relativas ao tratamento diferenciado e favorecido a ser dispensado às microempresas e empresas de pequeno porte no âmbito dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, especialmente no que se refere: [...] § 6º  A ausência de especificação do tratamento diferenciado, simplificado e favorecido ou da determinação de prazos máximos, de acordo com os §§ 3º e 4o, tornará a nova obrigação inexigível para as microempresas e empresas de pequeno porte.º

³ Saiba como se tornar um data protection officer. Época Negócios. 16 de out. de 2019. Disponível no site.  Acesso em 05 de mar. de 2021. 

⁴ Lei nº 12.529, de 30 de novembro de 2011 - Art. 88. Serão submetidos ao Cade pelas partes envolvidas na operação os atos de concentração econômica em que, cumulativamente: I - pelo menos um dos grupos envolvidos na operação tenha registrado, no último balanço, faturamento bruto anual ou volume de negócios total no País, no ano anterior à operação, equivalente ou superior a R$ 400.000.000,00 (quatrocentos milhões de reais); e II - pelo menos um outro grupo envolvido na operação tenha registrado, no último balanço, faturamento bruto anual ou volume de negócios total no País, no ano anterior à operação, equivalente ou superior a R$ 30.000.000,00 (trinta milhões de reais).

*O artigo foi publicado no portal Jota, na quarta-feira (17).

Fabiano Barreto é advogado e coordenador de Propriedade Intelectual da Confederação Nacional da Indústria (CNI).

REPRODUÇÃO DO ARTIGO - Os artigos publicados pela Agência CNI de Notícias têm entre 4 e 5 mil caracteres e podem ser reproduzidos na íntegra ou parcialmente, desde que a fonte seja citada. Possíveis alterações para veiculação devem ser consultadas, previamente, pelo e-mail [email protected]. As opiniões aqui veiculadas são de responsabilidade do autor. 

Relacionadas

Leia mais

Capacitações da CNI e do Sebrae preparam MPEs para exportar
LGPD: governo e iniciativa privada defendem tratamento diferenciado para MPE
Saiba como a CNI auxilia as MPEs endividadas

Comentários