A cultura de inovar e empreender vem de berço em Israel. Depois, se intensifica na escola e se torna realidade na universidade, que é o principal palco de incentivo às pesquisas e à criação de produtos e soluções. É na academia que surgem as startups e as parcerias com empresas. Mas como esse país de 74 anos incrustado num território pequeno e árido se tornou o país das startups – 1,4 mil são criadas em média a cada ano – e a nação que mais investe proporcionalmente ao PIB em ciência, tecnologia e inovação (CT&I)?
A resposta é a existência de uma combinação de fatores, que começa por uma política governamental robusta que prioriza recursos não reembolsáveis para pesquisa e desenvolvimento (P&D). Aliado ao investimento estatal estão as universidades que formam jovens, que, junto com professores, têm espaço, infraestrutura e apoio para inovar, inclusive sem a pressão de ter que acertar.
De acordo com Rafi Jave, pesquisador sênior do Technion, o Instituto de Tecnologia de Israel, todos têm o direito de errar nas pesquisas e projetos sem que sejam cobrados e podem apostar em diferentes projetos até chegarem ao êxito. Prova disso é que somente entre 4% e 5% das startups “dão certo”, segundo Jave.
Na última imersão de inovação realizada pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) ao país, que terminou nesta sexta-feira (17/6), mais de 40 empresários, gestores e pesquisadores passaram pelos principais centros de inovação e universidades de Israel.
Um deles é o Technion, localizado em Haifa, no norte de Israel. Criada em 1912, muito antes de o Estado de Israel ser instituído, foi a primeira universidade israelense e, atualmente, se destaca pelo desenvolvimento de talentos e lideranças capazes de fazer o país avançar. O Technion é frequentemente comparado ao MIT (Massachusetts Institute of Technology), reunindo 18 departamentos acadêmicos de engenharia, ciências naturais, medicina e arquitetura, além de 60 centros de pesquisa.
De acordo com o pesquisador brasileiro Shaul Shoshana, integrante do Conselho para a sociedade brasileira do Technion, o instituto prioriza três pilares: formar engenheiros de ponta; investir fortemente em pesquisas científicas básicas e aplicadas; e fomentar a transferência de tecnologia da academia para o setor privado.
“O objetivo é levar o conhecimento e monetizar isso tanto para o Technion quanto para a economia israelense”, afirmou Shaul, antes de lembrar que três vencedores do Prêmio Nobel de Química saíram das cadeiras do Technion. “A pesquisa aqui é um pilar fundamental para o Technion e para a sociedade. Ela transformou o Estado de Israel”, completou o pesquisador
Technion: uma inspiração para o SENAI
O presidente da Federação das Indústrias do Estado de Mato Grosso (FIEMT), Gustavo de Oliveira, avalia que o Brasil tem condições de absorver as experiências de inovação que se mostraram bem-sucedidas em Israel.
“Uma grande lição que levaremos da imersão é que o foco nos problemas reais que atormentam empresas e a sociedade faz com que a produção tenha valor, pois traz patentes e novos produtos, que são a entrega de resultados para a sociedade”, pontuou.
Para Oliveira, há semelhança entre o que o Technion desenvolve e o que o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI) se propõe a fazer no Brasil. “A gênese do Technion foi buscar soluções para problemas reais que aconteciam no meio do século passado. Tanto que a primeira turma foi de arquitetos e engenheiros, pois o país precisaria disso para ser construído. Com o avanço do tempo, o DNA de buscar inovação e principalmente alimentar pesquisas em áreas onde os problemas reais precisam de soluções inovadoras fez com que o Technion ganhasse um grande valor”, destacou.
“Vimos aqui algo semelhante com o trabalho que o SENAI faz, conectado com os problemas reais de uma indústria, que precisa se modernizar e ser mais competitiva. Aprendemos muito nessa visita e tenho certeza que o SENAI e todo o Sistema Indústria têm condições de replicar isso para contribuir com indústrias do nosso país”, acrescentou o presidente da FIEMT.
Israel investe 5% do PIB em pesquisa e desenvolvimento
A imersão da CNI também passou pelo Israel Innovation Authority, a agência de inovação israelense. O órgão é o principal responsável por conduzir a política de inovação do país, que, segundo os dados mais atualizados, investe 5,44% do PIB em P&D contra uma média de 2,47% dos países da OCDE e 1,17% do Brasil.
De acordo com os dados apresentados ao grupo de brasileiros, 361 mil pessoas trabalham diretamente na área de inovação e 10 mil companhias focadas nessa área estão ativas no país de 9,5 milhões de habitantes, onde há mais de 500 centros de P&D. Segundo Alan Hofman, diretor do Departamento de Cooperação com a América Latina do órgão, a cultura inovadora e a atração de investimentos no país tornaram Israel referência em CT&I.
Ele, no entanto, alertou que, embora Israel seja líder na agenda de inovação, o país tem um enorme desafio: aumentar sua produtividade. “A média de produtividade do trabalhador de Israel é menor que a média da OCDE. O israelense dá retorno de 46,9 dólares por hora trabalhada contra 58,9 dólares de média da OCDE”, detalhou.
A agência de inovação israelense mantém convênios e acordos com uma série de países na área de inovação, para a realização de projetos conjuntos e troca de experiências internacionais. No Brasil, o órgão tem parcerias atuais com a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e com a Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii), que lançará em breve uma chamada binacional para projetos de P&D. Durante a imersão, iniciou-se uma tratativa para que a agência israelense firme parceria com o SENAI.
“O israelense já nasce com esse espírito empreendedor. Não é só na escola. A inovação hoje é uma realidade porque há uma forte política governamental, indústrias interessadas e a colaboração global que levou também ao interesse de investimentos estrangeiros”, contou Hofman.
Universidade Hebraica criou teste de Covid por saliva
A cultura empreendedora da academia em Israel se reflete em inovações palpáveis, como o primeiro teste de Covid do mundo feito a partir da saliva. A diretora da Companhia de transferência tecnológica da Universidade Hebraica, Molly Livingstone, contou aos participantes da imersão da CNI que o teste foi desenvolvido em tempo recorde e que é feito sem a necessidade de coleta de secreção nasal. O produto já foi patenteado e está pronto para ser comercializado.
Criada em 1918, muito antes de o Estado de Israel ser fundado, a Universidade Hebraica tem 25 mil alunos e 1.400 pesquisadores. A instituição localizada em Jerusalém é financiada pelo governo israelense e não tem fins lucrativos.
“Mas temos sim o objetivo de fazer dinheiro para que a universidade possa financiar seus professores e cada vez mais pesquisas. Protegemos muito a propriedade intelectual do que desenvolvemos, já são mais de 11 mil patentes”, disse Livingstone. A Universidade Hebraica é parceira do laboratório espacial de Elon Musk, que foi criado junto a instituição.