Economia: um ano muito complicado

Economista prevê um 2022 difícil para o Brasil, por causa da política fiscal e da tensão eleitoral

Apesar da recuperação no crescimento econômico mundial, 2022 ainda será de muitas incertezas e turbulências na economia brasileira. “O próximo ano é muito complicado. Um ano eleitoral tenso, com candidatos que precisam ser acompanhados em suas políticas econômicas”, resume Sérgio Vale, economista-chefe da MB Associados, que projeta um desempenho perto de zero para o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil.

Confira a entrevista:

REVISTA INDÚSTRIA BRASILEIRA - Olhando o cenário externo, quais são as perspectivas para a economia brasileira em 2022?

SÉRGIO VALE - Do ponto de vista internacional, é interessante observar que serão dois anos de crescimento muito forte. O PIB mundial vai crescer cerca de 11% em 2021 e 2022. Não é normal crescer nessa magnitude. Estamos saindo da pandemia, com políticas monetária e fiscal intensas desde o ano passado – por um lado, estimulando demanda e, por outro, afetando a oferta. Esse descasamento, que é raro de ver, entre uma pressão forte de demanda e uma desaceleração de oferta, leva a um processo inflacionário mundo afora, especialmente nos Estados Unidos, que estão com uma pressão inflacionária rara, que não vemos há 40 anos. Por causa disso, temos essa perspectiva de mudança de política monetária. No ano que vem, as taxas de juros nos Estados Unidos vão começar a subir. Muito disso já está incorporado em preços de ativos em geral, mas há uma certa insegurança de que a inflação esteja acelerando em um nível mais preocupante do que o FED (Banco Central americano) está percebendo, e a gente pode precisar de uma mudança mais radical. Outro país de interesse é a China. Ela passou por um processo de impacto, por causa do mercado de construção, nos últimos dois meses. O crescimento lá está tateando em torno de 5%. Hoje, cerca de 30% do PIB chinês é relacionado ao mercado de construção. O processo de desaceleração desse segmento pode colocar alguns percalços na recuperação chinesa. 

REVISTA INDÚSTRIA BRASILEIRA - A inflação é também uma preocupação no Brasil, onde os combustíveis vêm pressionando a alta de preços. Como o senhor vê o cenário do preço do petróleo para o próximo ano?

SÉRGIO VALE - O preço do petróleo tem vários componentes. Neste momento, também temos esse descasamento entre demanda e oferta, uma recuperação forte da economia, desinvestimento ao longo da última década por causa da pressão ambiental e, especificamente, produção parada desde o ano passado. A demanda está pressionada por questões internacionais e questões domésticas não resolvidas, como a fiscal, que se junta ao cenário político turbulento no ano que vem. Quando pegamos as duas pontas, a tendência é que não haja sossego por parte dos combustíveis, por causa de problemas no câmbio e no preço do barril de petróleo.

REVISTA INDÚSTRIA BRASILEIRA - Hoje faltam insumos em alguns setores. Isso pode se prolongar?

SÉRGIO VALE - De certa forma, pode se prolongar no curto prazo mas, dado que a retomada está normalizando [a disponibilidade de insumos] e aquela forte expansão de consumo dá sinais de desaceleração, talvez a produção também comece a normalizar. Eu diria que essa falta generalizada está começando a cair. Claro que, por trás disso, precisamos acompanhar produtores industriais importantes, como Alemanha e China, que ainda estão às voltas com as questões da pandemia. Isso dificulta a retomada plena neste momento. Estamos melhorando, mas uma normalização completa vai depender de uma saída muito mais agressiva para esses países. Espero que possa acontecer em 2022 e, talvez, lá em 2023, tenhamos uma normalização bem mais completa dessa disrupção das cadeias de produção.

REVISTA INDÚSTRIA BRASILEIRA - Internamente, o que você espera para a economia brasileira no próximo ano?

SÉRGIO VALE - O próximo ano é muito complicado. Um ano eleitoral tenso, com candidatos que precisam ser acompanhados em suas políticas econômicas. Pegamos de saída uma inflação de dois dígitos, que não tem sido comum desde que o Plano Real foi lançado, em 1994. Tivemos três momentos de inflação de dois dígitos, só que nos outros – 2002, 2003 e 2016 – tivemos uma mudança política que conseguiu ajustar a casa, trazendo uma perspectiva de reformas que ajudou a acomodar a taxa de câmbio e pôr as expectativas para baixo. Hoje, temos um governo que abdicou do poder de fazer políticas econômicas e está entrando em um ano eleitoral complicado. Está propondo políticas fiscais muito agressivas, e ainda temos mais de um ano desta forma. No curto prazo, a tendência de um sistema pressionado continua. No ano que vem, o Banco Central vai subir a taxa de juros com intensidade para tentar manter a inflação em torno de 5%. Nossa previsão é de um crescimento da economia próximo de zero.

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