Investimentos em biotecnologia são decisivos para competitividade

Alerta é do pesquisador norte-americano, Juan Enriquez, um dos fundadores do Projeto de Ciências da Vida da Harvard Business School

Pesquisador norte-americano, Juan Enriquez

Os países que não preparam suas universidades, pesquisadores e empresas para lidar com a biotecnologia tendem a ser menos competitivos em praticamente todos os setores da economia. O alerta é do pesquisador norte-americano, Juan Enriquez, um dos fundadores do Projeto de Ciências da Vida da Harvard Business School, dos Estados Unidos. Segundo ele, o Brasil deve investir em treinamento de pessoal, em informação e conhecimento se quiser ser um líder mundial na área de biotecnologia. Enriquez falou para cerca de 200 empresários durante o Fórum de bioeconomia - desenhando uma agenda para o Brasil, promovido pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), em 4 de outubro, em São Paulo. 

Qual é o impacto do desenvolvimento da biotecnologia na economia mundial? 

Juan Enriquez: Nos últimos 30 anos, muito da nova riqueza mundial veio de cidades que entenderam a transição da escrita com a,b,c para 01100100. Códigos digitais possibilitaram a criação do Facebook, do Ebay, da Microsoft, do Google e o crescimento de muitos países em desenvolvimento. Agora, o mundo está começando a ler, copiar e reescrever a linguagem, a da vida. Programação com DNA, proteínas e células é comum e promove as vendas e o crescimento de companhias agrícolas, químicas, médicas e de informação. Cedo ou tarde, será uma mudança tão importante como as revoluções digital e industrial. 

Quais as projeções sobre o impacto da biotecnologia para países em desenvolvimento? 

Enriquez: Assim como o treinamento de adolescentes em programação digital permitiu rápido crescimento de economias como Cingapura, Taiwan, Coréia, China e Índia, as cidades e países que investirem em entender e aplicar o código da vida também terão a chance de impulsionar o crescimento de vários setores da economia muito rapidamente. Mas o outro lado também existe: quando há mudanças dessa magnitude em como e onde se fazem as coisas, muitos países antes bem sucedidos e poderosos podem ficar para trás bem rápido. 

Quais os possíveis prejuízos para os países que não investirem na produção de produtos biotecnológicos? 

Enriquez: Países que não preparam suas universidades, pesquisadores e empresas para o código da vida tendem a ser menos competitivos em praticamente todos os setores da economia. Imagine tentar competir em agricultura se você é 3% menos produtivo que seu vizinho. O mesmo serve para o setor químico, energético, biotecnológico, farmacêutico e em quase todas as áreas de negócios. 

Quais os países que saíram na frente na área da bioeconomia? 

Enriquez: Não se trata exatamente de países, mas de regiões ou cidades específicas em determinadas nações. Pessoas inteligentes de diversos países estão migrando para locais onde possam trabalhar com os melhores pesquisadores e incubadoras de empresas. Para exemplificar, algumas dessas áreas incluem os arredores do MIT, Tufts, Brandeis e Harvard, nos Estados Unidos (região de Boston). Também se pode citar polos vizinhos ao Instituto Nacional de Saúde de Mariland, Stanford e os campus da Universidade da California em Berkley, San Francisco e San Diego. A Inglaterra também tem centros de excelência em Londres, Hinxton e Cambridge. Cingapura é bastante agressiva, assim como o Japão e a Holanda. 

Nesse contexto, qual é a posição ocupada pelos países do BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China)? 

Enriquez: Algumas pesquisas interessantes estão em desenvolvimento em São Paulo, Cidade do México e Monterrey. Mas a América Latina é bem menos agressiva ao vincular a academia às incubadoras de empresas. Então, existe a ameaça de que empresas derivadas do Instituto de Genômica de Beijing, vários laboratórios em Xangai, conglomerados na Coréia e empresas de ciências da vida de Bangalore venham a acumular a maior parte dos postos de trabalho sustentáveis e o crescimento econômico. 

Qual a sua avaliação sobre a situação do Brasil em bioeconomia? 

Enriquez: Há muitas pessoas inteligentes no Brasil, mas enormes barreiras burocráticas. É muito complicado iniciar um negócio no Brasil por causa do tempo e do esforço necessários para começar legalmente uma empresa. Mas, acima de tudo, há muito mais exigências para iniciar negócios em ciências da vida e biotecnologia do que em outros campos de negócios. A decisão brasileira de não aceitar o uso de sementes geneticamente modificadas na agricultura permitiu à Argentina ganhar anos de vantagens competitivas, apesar de ter uma situação política mais complexa do que a brasileira. A ênfase em proteger e preservar a biodiversidade, ironicamente, levou a uma situação em que pode ser muito difícil  obter licenças para pesquisar e ainda mais difícil comercializar os resultados desses estudos. A imigração e a política de vistos  desencorajam um intercâmbio rápido e ágil. Quanto mais o Brasil conseguir atrair pessoas inteligentes e talentosas de diversos países para desenvolver áreas digital e de ciências da vida, melhor será.

O fato de o Brasil ser dono de uma das maiores biodiversidades do mundo pode ajudar o país a ser um líder em bioecomia? 

Enriquez: É impressionante como países com extraordinários recursos naturais terminam ainda mais pobres. É preciso olhar para a Venezuela, a Nigéria, a antiga União Soviética, a Arábia Saudita, o Irã, o Congo e outros. O que torna a bioeconomia viável e saudável são cérebros, pesquisa e negócios sustentáveis. Tem pouco a ver com a biodiversidade. O Reino Unido não liderou pesquisas genéticas, a descoberta da penicilina, o DNA, os anticorpos monoclonais ou a clonagem por ter muita diversidade de árvores ou belos pássaros. 

O que o Brasil precisa fazer para explorar melhor seus recursos naturais? 

Enriquez: Para ser um líder em bioeconomia, o Brasil precisa focar em suas mentes jovens, em treiná-las, promovendo exposição ao mundo e parcerias, dependendo menos dos recursos naturais e mais em informação e conhecimento. Muitos países têm grandes florestas, poucos têm a inteligência para preservá-las de forma sustentável, atrair e desenvolver extraordinários pesquisadores, criar setores econômicos sustentáveis e de rápido crescimento. Eliminar um grande número de espécies antes mesmo de mapear seus genomas, retardar o desenvolvimento da maior quantidade de conhecimento possível e limitar a fundação ou complicar o crescimento de negócios sustentáveis e baseados no conhecimento é um sério erro. Ao final, bits importam mais que átomos atualmente e vender muitos bits, sejam eles para tecnologia da informação ou tarefas digitais para a decodificação da vida,  é a única forma de preservar os átomos de bosques e selvas. 

Qual o envolvimento da indústria brasileira na bioeconomia? 

Enriquez: O Brasil certamente é um ator. Investiu durante mais de uma década na construção de interessantes polos em São Paulo e Minas Gerais. Assim como foi feito com a indústria aeronáutica e outras áreas de ponta, o Brasil pode atuar em qualquer campo. E já está fazendo muito em áreas como conversão de biomassa. O Estudo Brasileiro de Biotecnologia de 2011 oferece um detalhado e interessante mapa de todas as atividades em desenvolvimento. Mas o Brasil precisa de algumas empresas de destaque em biotecnologia, a exemplo do que é a Embraer para a indústria aeroespacial. A maior parte das grandes empresas brasileiras está intimamente vinculada a recursos naturais, finanças ou bebidas. Seria de se esperar que, na próxima década, o Brasil incentive o crescimento de duas ou mais empresas de destaque em biotecnologia.

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