Crises financeiras se retroalimentam

Em entrevista à Revista Indústria Brasileira, o economista Roberto Dumas Damas explica que uma política fiscal expansionista é essencial para conter a retratação econômica em momentos de crise, mas podem resultar em nova recessão

Pesquisador das crises econômicas dos séculos 20 e 21, tema de seu livro Crises Econômicas Internacionais, Roberto Dumas Damas diz que o governo, por mais liberal que seja, não tem outra alternativa neste momento senão intervir com ações keynesianas.

“Não há superação de crise que não passe pela liberação de muito dinheiro e por uma política fiscal expansionista”, diz o professor do IBMEC de São Paulo e da Fundação Instituto de Administração (FIA). Mas ele alerta: o risco dessa política é gerar uma bolha financeira mais à frente.

REVISTA INDÚSTRIA BRASILEIRA - Em que esta crise se distingue das outras neste século?

ROBERTO DUMAS DAMAS - As crises de 2000 e 2008, por exemplo, tiveram seu início no sistema financeiro. A que está prestes a eclodir será resultado de um problema de saúde pública que se desdobrou em uma crise de produção que, obviamente, vai surtir efeito no sistema financeiro e nas empresas. Em relação ao enfrentamento da crise, não há distinção em relação à origem dela. As formas de atuar são as mesmas. Não há superação de crise que não passe pela liberação de muito dinheiro e por uma política fiscal expansionista. O que não pode acontecer é deixar todo o sistema quebrar, como ocorreu em 1929 nos Estados Unidos. Estimulado pelo espírito do então secretário do Tesouro de “deixar queimar” a parte podre do sistema, o que se viu no país foi a expansão da crise com a “queima” dos que não eram podres e a piora da situação macroeconômica.

REVISTA INDÚSTRIA BRASILEIRA - De tempos em tempos, o planeta se vê às voltas com uma nova crise econômica. É possível evitar o surgimento de novas crises, ao menos daquelas originadas no sistema financeiro?

ROBERTO DUMAS DAMAS - Sempre quando uma bolha de ativos estoura, o banco central ou a autoridade monetária disponibiliza mais dinheiro no mercado para evitar a contração da economia real. Só que, ao fazer isso, são plantadas as sementes da próxima bolha, da próxima crise. O coronavírus foi a “ponta da agulha” a estourar a bolha que nasceu a partir de 2008 em virtude da enorme quantidade de dinheiro em circulação. Trata-se de um processo que se retroalimenta.

REVISTA INDÚSTRIA BRASILEIRA - O que o sr. está dizendo é que não existe solução para uma crise que não gere outra em um futuro próximo?

ROBERTO DUMAS DAMAS - Existiria se fosse estabelecido que ninguém mais compraria ações, mas isso não condiz com uma economia aberta. Com mais dinheiro em circulação, onde você vai querer investir o seu dinheiro: na bolsa que está subindo 5% por semana ou comprar um título público que paga 0,25% ao ano? Todo mundo vai na bolsa, o que acaba inflando a bolha. Seria preciso ficar de olho na bolha de ativos, só que o Banco Central não cuida dela. Sua função é cuidar da inflação de preços. Na outra ponta, há muita falta de conhecimento sobre como funciona o sistema financeiro e como atuar nele.
Sabendo como funciona esse ciclo, não é possível construir outras soluções? Se você está no meio de um incêndio, não vai deixar de usar água para apagá-lo, mesmo sabendo que tanta água vai resultar, no futuro, em um curto-circuito que provocará um novo incêndio. A verdade é que faltam instruções de até onde se deve chegar quando a bolsa está exagerada. Além disso, para manter a estabilidade do poder de compra da moeda, o Banco Central não pode subir os juros para furar a bolha.

REVISTA INDÚSTRIA BRASILEIRA - Há previsão de quando será o ápice da crise e de quando ela começará a melhorar? Existe um padrão que as crises costumam seguir?

ROBERTO DUMAS DAMAS - Desde 1850 tem ocorrido uma crise, em média, a cada 10 anos. No ano passado, a bolha já dava sinais claros de que estava para estourar porque os valores praticados nas bolsas de valores de todo o planeta já estavam exagerados. Sendo assim, pode-se afirmar que a desidratação das bolsas de valores ocasionada pela pandemia do coronavírus nada mais é do que o retorno das coisas para o ponto no qual deveriam estar.

REVISTA INDÚSTRIA BRASILEIRA - Em situações de crise econômica, em especial na atual, qual é o papel do governo?

ROBERTO DUMAS DAMAS - Em um momento emergencial, o governo está girando a chave para o keynesianismo, ou seja, para a intervenção estatal na economia, o que é uma decisão acertada. Na atual circunstância, não adianta bater na tecla de que a piora do desemprego vai resultar em mortes no futuro. A decisão não era entre deixar as pessoas morrerem à vista, em virtude do coronavírus, ou à prazo, em razão da situação econômica resultante da crise. Essas são passíveis de serem evitadas por meio de políticas fiscais expansionistas e contracíclicas.

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