O Brasil e a onda dos acordos comerciais

Aluisio Lima-Campos, professor da American University, explica como fica a situação brasileira depois do anúncio da parceria entre Estados Unidos e União Europeia. Leia a entrevista!

Professor da American University, Aluisio Lima-Campos

O professor da American University, em Washington, e presidente do Instituto dos Analistas Brasileiros de Comércio Internacional, Aluisio Lima-Campos, avalia a situação do Brasil em um cenário internacional que está mudando de rumo. O acordo comercial recentemente anunciado por Estados Unidos e União Europeia vai gerar reverberações em todo o mundo. Contudo, há ainda muitos problemas a serem resolvidos.

Com experiência de mais de 25 anos em negociações internacionais, o professor avalia quais serão os maiores entraves e como Estados Unidos e Europa terão que agir para resolvê-los. Os subsídios ao setor agrícola e as barreiras não-tarifárias devem estar na mesa de discussão para que o maior acordo comercial do mundo não vire uma ferramenta política dos governos. Acompanhe a entrevista:

Portal da Indústria - Estados Unidos e Europa prometem fechar o maior acordo de livre-comércio da história em menos de dois anos. O senhor acredita que o anúncio atrapalha as negociações da parceria entre Mercosul e UE?
Aluisio Lima-Campos - Eu não sei o que poderia sair primeiro, o acordo entre Estados Unidos (EUA) e União Europeia (UE) ou Mercosul e UE. É algo muito difícil de dizer. Existem muitas questões a serem resolvidas nas duas negociações.
Hoje, há no comércio exterior o que eu chamo de âncora agrícola. Se a questão dos subsídios agrícolas nos países desenvolvidos, principalmente na Europa e nos Estados Unidos, não for resolvida, nenhum dos acordos vai para frente.

PI - Qual seria a solução para o problema?
Lima-Campos - Eu sempre disse que se o Brasil conseguisse resolver a questão agrícola na Organização Mundial do Comércio (OMC), em uma rodada Doha, por exemplo, já ajudaria bastante. É preciso acabar com o problema dos subsídios à produção e das barreiras contra a importação. Só assim essa âncora agrícola desapareceria e o Brasil ficaria livre para resolver seus acordos regionais e bilaterais, justamente porque a parte agrícola já teria sido resolvida no âmbito multilateral.

PI - O senhor vê perspectiva de mudança?
Lima-Campos - Depende do quão sensível o governo brasileiro seria às reivindicações do setor agrícola. Aí é uma decisão política do governo brasileiro. Quando a política entra no meio é difícil fazer uma previsão. E não é um assunto fácil de resolver, sobretudo porque é um setor que tem um grande poder político. É um setor que está no coração do Planalto, então é difícil você fazer uma previsão. Mas, ao meu ver, esse é o principal problema.

PI - Quais os maiores problemas que EUA e UE enfrentarão?
Lima-Campos - Você tem o presidente Barack Obama que já está no seu segundo mandato e está louco pra deixar um legado na área de comércio. Ou seja, a vontade política está lá. O problema é que nos Estados Unidos, se você não tem anuência do setor privado, não sai nada.
Tudo depende também da abrangência. Se você quiser fazer um acordo só de bens, será mais fácil do que um acordo geral. Isso porque 75% do PIB americano e europeu é baseado nos serviços. Então depende da abrangência do acordo, mas também não acho que seja impossível. Mas não é fácil de maneira alguma.

PI - Desde que foi formado o Mercosul, só foram feitos três acordos bilaterais. Nesse contexto, o bloco ainda vale a pena?
Lima-Campos - Eu acho que seria superficial condenar a existência do Mercosul. Se a gente olhar para a história, o bloco tem tido uma importância política indiscutível para o Brasil. Cabe ao governo pesar se essa importância política é tão importante quanto para manter o Mercosul, apesar dos problemas.

PI - E comercialmente?
Lima-Campos - Também é indiscutível. É só olhar os números. Nossa balança com o Mercosul é incontestável. É difícil fazer um argumento contra. Mesmo com todas as dificuldades, os ex-tarifários e os problemas com a Argentina. Então, eu não vejo o fim do Mercosul.
Se olharmos a história da União Europeia, vamos encontrar coisas muito parecidas ou até piores. Você vê isso claramente nos embates da França com a Alemanha. A Inglaterra não se entende até hoje com a UE. Mas não é por causa disso que a união deixou de existir, provando que é viável. Mesmo com todos os problemas, da Grécia, Espanha, Portugal, Itália, Irlanda e outros. Mas, enfim, acho que ainda tem muita coisa para acontecer no Mercosul, apesar das dificuldades.

PI - Uma solução seria flexibilizar a cláusula que impede os países de negociar acordos?
Lima-Campos - Se você está falando de um acordo com os EUA ou Europa, é difícil disfarçar.

PI - A maior parte dos setores industriais brasileiros é a favor do acordo com a UE. Está na hora de o governo tomar uma atitude?
Lima-Campos - Do ponto de vista prático, da possibilidade de conclusão de um acordo, eu vejo possibilidade. Com a UE é possível resolver a maior parte do problema agrícola no bilateral. Nos Estados Unidos não tem como resolver no bilateral. O acesso ao mercado de agricultura é uma das coisas mais impossíveis de negociar com os norte-americanos. Não tem país mais protecionista em agricultura que os EUA, embora ele diga que seja o país mais aberto do mundo. Se você olhar a maioria dos produtos agrícolas, vai encontrar diversos tipos de cotas. E isso é um sistema de proteção arcaico. Além disso, há picos tarifários. No caso do suco de laranja, a barreira pode chegar a 60%. O México, que há dez anos praticamente não produzia suco de laranja, está tomando nosso mercado porque tem isenção de tarifas por conta do NAFTA. Então, negociar com os Estados Unidos vai ser muito difícil se a gente não resolver a parte agrícola.

PI - Como o senhor vê a política de expansão cambial dos Estados Unidos?
Lima-Campos - Eles estão à beira de um precipício e precisam fazer política expansionista para sair de lá. Se você compara isso com o objetivo chinês, que é obter vantagens em cima dos outros para acumular reservas, é uma coisa completamente diferente. Então tem que tratar as duas coisas de forma separada. Um é manipulador e o outro está tentando sair do buraco. O que acontece hoje é que a expansão monetária americana provoca efeitos negativos no Brasil.

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