Inovar para crescer

Em artigo publicado no Valor Econômico, Pedro Wongtschowski, Pedro Passos e Horácio Lafer Piva apontam que cogitar enfraquecer um arranjo institucional que já se comprovou exitoso para a CT&I seria grave erro

O PIB brasileiro poderá sofrer retração superior a 6% em 2020. Para 2021 a perspectiva de crescimento é de 2,2%, admitindo-se um certo retorno à normalidade a partir do último trimestre deste ano. Esse cenário é particularmente preocupante para um país que, nos últimos oito anos, registra crescimento médio abaixo de 2%, com resultados negativos em 2015 e 2016, -3,5% e - 3,3%, respectivamente.
 
Sempre se pode creditar o desempenho da economia brasileira pré-pandemia às crises econômicas globais ou às políticas fiscais e cambiais. Mas há fortes evidências de que isso também decorra do baixo - e instável - esforço no aumento da produtividade e, em particular, do (não) investimento em ciência, tecnologia e inovação.
 
Na última década, o orçamento anual executado do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI), excluídas despesas com pessoal e com a gestão do órgão, caiu de cerca de R$ 5 bilhões para algo em torno de R$ 3 bilhões. Somados, os recursos executados pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), que correspondem de fato à capacidade de fomento do ministério, registraram redução de 46%. Só o contingenciamento do FNDCT em 2020 foi da ordem de 88%.
 
O desempenho negativo também ocorreu com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), principal fonte financiadora de investimentos no país e protagonista no fomento a projetos de desenvolvimento tecnológico e inovação das empresas brasileiras. Em 2019, o BNDES desembolsou o menor valor desde 1996: R$ 55,314 bilhões, uma queda real de 23,4% ante 2018. Entre os destinados à inovação, os empréstimos do BNDES caíram de RS 2,504 bilhões em 2013 para R$ 164,1 milhões em 2019. Às vésperas do encerramento de seu contrato de gestão com o MCTI, a Embrapii, organização social que há seis anos vem desenvolvendo trabalho exemplar em prol da inovação empresarial, recebeu do ministério um terço dos recursos previstos. Cada real aplicado pela União na Embrapii tem gerado um investimento de três reais em inovação.
 
A contração na oferta de recursos para CT&I inibiu investimentos das empresas em inovação e vem tendo reflexos nos indicadores de produtividade, estagnados em patamar abaixo de 1%, e de competitividade: a indústria brasileira de transformação ocupa a penúltima posição entre os 18 países ranqueados pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) para o período 2019-2020, à frente apenas da Argentina.
 
É impossível prever os índices de crescimento que o país teria alcançado se os planos de investimento em CT&I, desenhados na virada do milênio, tivessem se concretizado. Mas é possível tomar o caso do Estado de São Paulo como efeito demonstração.
 
Com uma participação de quase 32% no PIB brasileiro, São Paulo é o centro do Sistema Nacional de Inovação do país, com 42% das startups, 41,7% dos investimentos em pesquisa e desenvolvimento de empresas, 29,3% das patentes registradas e 41,5% dos artigos científicos publicados por autores brasileiros em revistas indexadas.
 
A maior parte dos gastos em P&D no Estado, mais precisamente 56%, é realizada por mais de 10 mil empresas inovadoras que empregam 42 mil pesquisadores. Esse dispêndio, que representa 1,24% do PIB, é similar ao de países como Portugal, Itália e Espanha. O diferencial competitivo de São Paulo está relacionado à sua dinâmica econômica e ao desenvolvimento tecnológico, lastreados em recursos humanos formados em 137 universidades - três delas, estaduais, entre as melhores do país - e por políticas estáveis de financiamento à ciência, à tecnologia e ao empreendedorismo inovador, muitas delas apoiadas pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).
 
Desde 1989, os governos paulistas cumprem os percentuais estabelecidos para o repasse de recursos às universidades estaduais e - por força de disposição constitucional - à Fapesp, garantindo previsibilidade financeira e autonomia. No caso da fundação, isso confere estabilidade no suporte do desenvolvimento científico e tecnológico e no fomento às iniciativas inovadoras de empresas.
 
A legislação aplicada à Fapesp sabiamente limitou os gastos das atividades-meio a 5% de seu orçamento, exigindo eficiência e eficácia na prestação de serviços e transparência na prestação de contas. Ela também prevê a manutenção de um fundo de reserva para amortecer eventual instabilidade da receita tributária e preservar a constância do financiamento da pesquisa.
 
Neste momento, no entanto, essa estrutura está sob ameaça. Um projeto de lei enviado pelo governo à Assembleia Legislativa indica a intenção de obrigar a Fapesp a recolher aos cofres do Estado o superávit financeiro apurado em balanço de 31/12/2019. Ocorre que esse superávit, de cerca de RS 550 milhões, é meramente contábil. Naquela data, os compromissos futuros totalizavam RS 1,8 bilhão. Irresponsável seria a fundação se não tivesse em caixa pelo menos parte desses recursos. O Estado de São Paulo passa por momentos difíceis e cabe a todos colaborarmos para não permitir o comprometimento de sua higidez financeira. Mas a Fapesp já faz a sua parte. Seus recursos são indexados à receita tributária do Estado.
 
Dada a centralidade do Estado de São Paulo para a economia brasileira, cogitar enfraquecer um arranjo institucional que já se comprovou exitoso para o financiamento à CT&I, com impactos visíveis na melhoria de vida da população, seria grave erro. O esforço em recuperar a economia brasileira não pode prescindir da ciência, da tecnologia e da inovação.
 
Por Pedro Wongtschowski, Pedro Passos e Horácio Lafer Piva. Membros do Conselho de Administração da Ultrapar, Natura&Co e Klabin, respectivamente.

*O artigo foi publicado no Valor Econômico, no dia 20 de agosto.

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