Neste ano, o Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio (Trips — do inglês Agreement on Trade-Related Aspects of Intellectual Property Rights) completa dez anos. Esse instrumento da Organização Mundial do Comércio (OMC) classifica como espécies de propriedade intelectual o direito do autor, as marcas, as indicações geográficas, as patentes, os desenhos industriais e as topografias de circuitos integrados em todo o mundo.
Este tratado internacional foi um dos mais importantes assinado pelo Brasil nos ltimos tempos, pois tutela a propriedade das marcas, a proteção ao nome empresarial e o direito de impedir terceiros pelo uso de produto patenteado. Em todos os acordos internacionais firmados, a propriedade intelectual é item obrigatório na negociação entre pares ou Estados. Após a sua assinatura e ratificado pelo presidente tem força de lei no país, que, inclusive, ensejou a elaboração da lei de propriedade industrial atual (Lei nº 9.279/1996). Esta lei está em consonância com as leis sobre a matéria na maioria dos países membros, um total de 148 países, respeitando suas especificidades e soberania de cada país.
O Trips estabelece que os países membros podem adotar proteção superior à oferecida pela OMC, que apenas adota punição aos infratores e não tem força coercitiva como a lei. O Brasil se obrigou à adoção do Acordo Trips a partir de 1 de janeiro de 2000, data em que expirou o prazo de adequação aos países em desenvolvimento. O instrumento estabelece os mínimos padrões no âmbito do direito internacional relacionado a patentes, inclusive aquelas de medicamentos às marcas e nomes empresariais. As regras estabelecem que as patentes devem ser concedidas durante um período mínimo de 20 anos. Dessa forma, todo produto ou processo patenteado deve ser protegido contra o uso comercial desleal.
Na área da saúde, por exemplo, a implementação dos padrões de propriedade intelectual previstos pelo Trips teve e ainda está tendo um impacto extremamente significativo no acesso a medicamentos, de forma geral, tendo em vista que a lei anterior de propriedade industrial não permitia a patente de medicamentos, e ao limitar a concorrência e a produção local o instrumento protege a prática de preços abusivos e piora o acesso da população aos medicamentos.
Recentemente, a Procuradoria do Instituto Nacional da Propriedade Intelectual impetrou 34 ações na Justiça Federal do Rio de Janeiro visando a correção de 247 patentes de produtos agroquímicos e medicamentos. Na prática, essas ações visam corrigir o prazo de vigência dessas patentes, o qual poderá, conforme o caso, ser reduzido em até seis anos. A correção desse prazo possibilitará o ingresso no mercado de outros produtos agroquímicos e dos genéricos, em muitos casos. Com isso, os preços, tanto dos produtos agrícolas quanto dos medicamentos, podem ser corrigidos, beneficiando toda a população brasileira. Além disso, caso haja causa ganha para o INPI, os agroquímicos poderão integrar a cadeia produtiva de alimentos.
Antes do Acordo Trips, alguns países, como a Argentina, o Brasil, o Chile, a Índia, a Indonésia, a Coreia do Sul, entre outros, não concediam patentes a medicamentos nem a agroquímicos. Nesses países se desenvolveu uma indústria nacional de cópias dessas mercadorias, as quais eram comercializadas a preços bem mais baixos do que os originais. Com a adoção do Trips, foi estabelecido, pela primeira vez, um conjunto mínimo de normas para criação e proteção da propriedade intelectual, sendo possível incentivar a pesquisa e o desenvolvimento e permitir que as pessoas possam usufruir das invenções existentes.
* Maria Isabel Montañes, advogada da Cone Sul Assessoria Empresarial e especialista em marcas e patentes há mais de 25 anos, é membro da Associação Paulista dos Agentes da Propriedade Industrial (Aspi) e da Associação Brasileira em Propriedade Intelectual (Abapi). Disponível em http://www.jb.com.br/sociedade-aberta/noticias/2014/01/20/acordo-trips-completa-uma-decada/