Solução para a Amazônia pode ser solução para o mundo

Em artigo publicado na Folha de S.Paulo, Marcelo Thomé, presidente da FIERO e do Instituto Amazônia+21, fala sobre soluções aos problemas ambientais na Amazônia

Vista da paisagem do desmatamento ilegal da floresta amazônica de árvores cortadas e queimadas para criar terras para agricultura e pastagem de gado no Brasil. Conceito de ecologia, meio ambiente, aquecimento global, clima.

O Instituto Amazônia+21 tem pouco mais de dois anos de existência, mas irá à Conferência das Partes (COP) de Baku, em novembro, integrando a representação da Confederação Nacional da Indústria (CNI), apresentar ao público global o cerne de sua operação, uma plataforma que acreditamos ser criativa, inovadora e disruptiva na resposta a problemas complexos e urgentes, como o enfrentamento dos desafios da amazônia.

Uma solução que pode ser "exportada" a países com biomas importantes como o nosso, a exemplo dos encontrados no continente africano. Aqui como lá, e em outras nações, vivenciamos atônitos a emergência climática e a devastação de ricas biodiversidades. Vivenciamos a queima literal de riquezas e de inúmeras
oportunidades de negócios sustentáveis que poderiam, se implantados, ofertar qualidade de vida para milhões de pessoas. São 30 milhões de brasileiros só na amazônia, a grande maioria sem qualidade de vida digna da sua humanidade.

A realidade foi escancarada aos nossos olhos. E não se trata mais apenas da amazônia ou de Porto Velho (RO), de onde escrevo, encoberta por fumaça há semanas, fruto de queimadas e seca que já atingiram São Paulo, o coração financeiro do país, e, em sentido oposto, inundaram em passado recente vários
municípios do Rio Grande do Sul, para desespero de toda a nação. O que víamos como casos isolados hoje é questão nacional.

A Facility de Investimentos Sustentáveis (Fais) foi por nós idealizada para revolucionar a forma que aplicamos e operamos nosso capital, nossa filantropia e nossos negócios no país. As regras dos bancos e do mercado financeiro estão distantes do Norte, tão diferente do Sul e do Sudeste. A intricada situação fundiária da nossa região e as grandes distâncias e ausências de infraestrutura são barreiras quase intransponíveis para grande parte das operações bancárias. A Fais nasce ancorada em quatro plataformas que incluem investimento, engajamento, assistência técnica e geração de conhecimento, para dar volume e escala na promoção do desenvolvimento econômico sustentável da Amazônia.

Essa arquitetura utiliza-se do "blended finance" para viabilizar negócios verdes e convida a filantropia para uma função estruturante, entendendo seu papel catalisador para, junto com o mercado financeiro e diversos outros atores sociais, produzir impactos sociais, ambientais e econômicos positivos. O processo agrega
compliance, segurança jurídica, estabilidade institucional e retorno financeiro. Mais de 40 organizações participaram do processo de estruturação da Fais; foram 18 meses de trabalho com várias reuniões e encontros para aprimoramento do método de trabalho. Hoje, estamos prontos. 

Iniciamos a operação por meio do Fundo Catalítico Amazônia, que buscará estruturar portfólios de projetos financiáveis e de impacto nos noves estados da região e em diferentes setores como bioeconomia, água, turismo sustentável, agricultura de baixa emissão, florestas e outros. Nossa meta inicial é atrair R$ 80
milhões de recursos não reembolsáveis para destravar outros R$ 620 milhões, que serão investidos em 260 negócios, num ciclo de três anos: não tem nada tão ambicioso para o bioma. Tenho viajado o país para atrair esse capital e estarei na COP para provar que uma solução para a Amazônia pode ser uma solução para o mundo.

A mobilização de capital envolve diversas fontes, sejam investidores individuais, family offices, fundos e bancos de fomento, instituições multilaterais, doadores institucionais ou individuais e governos. Pela combinação de veículos de investimentos e estruturas catalíticas, é possível criar meios para originar projetos,
prover assistência técnica, engajar atores relevantes e produzir conhecimento para impulsionar o desenvolvimento local sustentável. O modelo operacional e financeiro é submetido a um conselho estratégico, e só depois segue para os veículos de investimento tomarem as decisões finais sobre o aporte de recursos. Com segurança jurídica e transparência, os investidores participam de cada etapa do processo.

A emergência climática exige sinergia entre ação global e ação local para conter a devastação que observamos nos biomas. Sem o suporte global é impossível deter o desmatamento, acabar as queimadas e promover qualidade de vida nas comunidades locais. Mas é decepcionante constatar que recorrentes anúncios de aportes bilionários nas florestas tropicais não passam disso: anúncios. Em 2015, com o Acordo de Paris, os países endinheirados anunciaram US$ 100 bilhões por ano para conter o aquecimento global em 1,5ºC. Dispensável listar razões que fazem da amazônia um destino prioritário desse capital. Mas até hoje nada disso teve impacto real.

Há 25 anos, decidi viver na amazônia. Desde então, constato a cada volta a uma determinada comunidade que a condição de vida das pessoas não melhorou e o ambiente está mais deteriorado. É evidente que o Brasil impôs uma agenda de atraso que tem gerado miséria para a região. Não fomos capazes de conservar a floresta e muito menos de olhar para os amazônidas como deve ser, na centralidade de toda e qualquer política para a região. O alcoolismo, a prostituição e, mais recentemente, o narcotráfico e outras agendas criminosas assolam a vida dessas comunidades. A tendência, se nada de diferente for feito, é piorar. É esse cenário o pano de fundo da atuação do Instituto Amazônia+21, fruto da união das lideranças industriais da Amazônia Legal e apoiado pela CNI, que queremos mudar. 

Não vamos conservar o bioma apenas impondo "o que não pode fazer"; também não basta orientar "o que se pode fazer". É sobre "como fazer" que estamos falando agora e agir. 

*Marcelo Thomé é empresário e presidente do Instituto Amazônia+21, presidente da Federação das Indústrias do Estado de Rondônia (FIERO) e vice-presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI).

O artigo foi publicado no jornal Folha de S.Paulo, segunda-feira (23).

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