Desafios da indústria brasileira no pós-pandemia

Especialistas afirmam que retomada econômica demandará a reestruturação de áreas internas e externas. Questões como e-commerce, crescimento do delivery e teletrabalho já estavam no radar dos empresários

O teletrabalho já estavam no radar dos empresários, mas a pandemia acelerou a implantação dessa mudança

Embora o “novo normal” tenha se tornado assunto frequente, ninguém sabe exatamente o que ele representa e como a indústria, as relações humanas, profissionais e comerciais se darão em um mundo pós-pandemia. Pensar esse “novo mundo” ainda tem sido uma espécie de exercício de futurologia, apesar da retomada de setores da economia e a flexibilização do distanciamento social apontarem algumas direções.

Independentemente da direção a ser seguida, as mudanças estruturais e comportamentais instituídas pela pandemia impõem alguns desafios às empresas, que vão desde rever a presença dos colaboradores nas suas instalações até uma maior compreensão da geopolítica global.

Para Frederico Marchiori, gerente de Relações Institucionais da Oxiteno, empresa do setor químico, a retomada será longa e cheia de aprendizados.

“Muitos formatos e processos de trabalho adotados nesse período devem influenciar a maneira de continuar os negócios. Temos grupos de trabalho dedicados a  compreender os impactos ou explorar iniciativas que surgirão’’, explica.

Essa nova realidade é reflexo da velocidade com que algumas tendências se impuseram. Segundo o analista de competitividade do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), Gustavo Reis, questões como o e-commerce, o crescimento do delivery e o teletrabalho já estavam no radar dos empresários, mas a pandemia colocou essas mudanças na ordem do dia. “Implementar essas inovações no menor prazo possível acabou se tornando uma questão de sobrevivência para muitas empresas”.

Gustavo Reis, do Sebrae, recomenda às empresas fazerem ajustes no menor prazo possível por uma questão de sobrevivência

De fato, os hábitos de consumo do brasileiro mudaram nos últimos meses. Levantamento realizado pela Infobase Interativa mostra que 13% da população fizeram sua primeira compra on-line em virtude das medidas restritivas impostas pela pandemia de coronavírus. Entre os que já tinham esse hábito, 24% aumentaram suas compras pela internet.

Esse crescimento também foi mapeado pelo Sebrae. “Mesmo no contexto de crise, percebemos que as empresas que já tinham investido em plataformas de venda on-line e de entrega conseguiram se adaptar mais rapidamente e, em muitos casos, tiveram aumento das vendas”, conta Gustavo Reis.

Outra tendência antecipada é o home office. Pesquisa da ISE Business School constatou que, passado o choque inicial, 80% dos gestores afirmaram gostar da nova forma de trabalhar. Em entrevista ao Estadão, Cesar Bullara, diretor e professor do departamento de gestão de pessoas do ISE, garantiu que a nova realidade veio para ficar.

André Miceli, professor da Fundação Getulio Vargas (FGV), concorda. Ele calcula em 30% o percentual de crescimento do trabalho remoto após o fim da pandemia. “A necessidade mostrou a muitas empresas que a prática é possível, mesmo quando o trabalho presencial for retomado”, acredita Frederico Marchiori, da Oxiteno.

Se internamente as empresas estão diante de desafios relacionados a aspectos como gestão e inovação, no que se refere ao mercado externo o cenário muda consideravelmente.

O histórico de barreiras comerciais impostas pelas nações mais desenvolvidas em períodos pós-crise, associado às incertezas sobre a reabertura dos mercados, ganha contornos um pouco mais complexos diante de uma crise global que afetou os países em momentos distintos.

“Tem uma questão relevante que é o fato de as economias saírem de forma dessincronizada da crise”, pontua Diego Bonomo, gerente-executivo de Assuntos Internacionais da Confederação Nacional da Indústria (CNI).

“Assim como a pandemia atingiu primeiro a Ásia, depois a Europa e, na sequência, as Américas, a crise econômica seguiu o mesmo roteiro” complementa Bonomo.

O resultado dessa falta de sincronia, segundo Bonomo, é que os países que tiveram a pandemia primeiro e conseguiram controlar vão sair primeiro da crise econômica. “Isso representa um desafio porque, teoricamente, as empresas desses países terão mais chances de ocupar espaços que antes eram preenchidos por empresas localizadas nos países que ainda estão no início do processo de retomada”.

“Passados os meses mais críticos, estamos mais confiantes de que o cenário de redução mais moderada prevalecerá para este ano” - Daniel Randon

A desvalorização do real fez com que o produto ficasse mais competitivo 

Apesar do cenário desafiador que se apresenta, o gerente da CNI não acredita que vá ocorrer um protecionismo generalizado, mas sim barreiras em setores específicos. Além disso, ele chama a atenção para a percepção de dependência da China por parte de vários países, o que resultou em demanda social para que governos forcem a produção local de alguns produtos, favorecendo a indústria nacional.

Com 30% da receita líquida formada por exportações a partir do Brasil, a fabricante de carrocerias de ônibus Marcopolo vivenciou uma retração de 19,4% no primeiro trimestre de 2020 em relação ao mesmo período do ano anterior. Embora não tenham ocorrido cancelamentos de pedidos, houve redução na demanda em mercados tradicionais da América do Sul, como Chile, Peru e Argentina.

Ainda assim, o diretor de Estratégia e Negócios Internacionais da empresa, André Armaganijan, explica que a desvalorização do real fez com que o produto nacional ficasse mais competitivo e abrisse novas oportunidades de exportações para o continente africano. “Em relação à América do Sul, nossa expectativa é de que a recuperação seja gradual e aconteça nos últimos meses deste ano”, diz Armaganijan.

Com um modelo de negócios diversificado, as Empresas Randon mapearam dois potenciais cenários em virtude da crise: um de redução mais amena da comercialização dos seus produtos e outro mais severo. De acordo com o CEO das empresas, Daniel Randon, esses cenários levaram em consideração aspectos como as dinâmicas de todos os negócios, questões de saúde e suas repercussões na capacidade produtiva, decretos governamentais, incentivos governamentais, desvalorização da moeda, estratégias comerciais focadas, entre outros.

“Passados os meses mais críticos de abril e maio, estamos mais confiantes de que o cenário de redução mais moderada prevalecerá para este ano. Com toda a injeção de estímulos na economia doméstica e também em todas as grandes economias do mundo, além da possibilidade mais real de uma vacina para a Covid-19, acreditamos que teremos um 2021 mais normal e robusto”, prevê o CEO.

A Indústria contra o coronavírus: vamos juntos superar essa crise

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