Irmãs gêmeas escrevem livro para incentivar escritores com a autopublicação

Projeto inédito da escola SESI Anísio Teixeira, em Vitória da Conquista (BA), ganhou o 2º lugar na maior feira de ciências e engenharia do Brasil na categoria de Humanas

Era uma vez, num mundo futurístico dentro da nossa imaginação, uma sociedade que vive de forma opressiva e com questões políticas e sociais em evidência. Para sobreviver e ter uma vida melhor, as pessoas passam por um desafio. Seria esse o enredo de Jogos Vorazes? O Conto da Aia? Divergente? Acho que não. Neste 23 de abril, Dia Mundial do Livro e do Direito de Autor, vamos conhecer uma história diferente.

Entre dois mundos é uma obra distópica criada pelas irmãs Bianca e Luana Santana, de 17 anos, da escola SESI Anísio Teixeira, em Vitória da Conquista (BA). O livro é fruto do projeto de iniciação científica “O Kindle Direct Publishing e a autopublicação como mecanismo para o reconhecimento dos escritos de jovens autoras”, de autoria das irmãs. 

A pesquisa tem como objetivo explorar uma ferramenta de autopublicação como incentivo aos autores independentes, pela dificuldade em vender um livro por meio de uma editora tradicional. Além disso, as meninas se propuseram a escrever um livro e utilizá-lo paradidaticamente em sala de aula.   

“A gente escolheu estar no SESI" 

Naturais de Tanhaçu (BA), Luana e Bianca se mudaram para Vitória da Conquista para fazer o Ensino Médio no SESI. "A escola oferecia várias vantagens, tinha iniciação científica, robótica, e a gente escolheu estar no SESI”, conta Bianca. Na unidade, os alunos dos primeiros anos podem participar no contraturno de grupos de pesquisa. Ao todo são três, com 10 estudantes cada. 

Bianca e Luana Santana escolheram estudar no SESI para usufruir das atividades extracurriculares

As meninas entraram para o grupo de Linguagens e Tecnologia (Lintec) e viram ali um meio para alcançar o objetivo das duas de contar uma história.  

Desde cedo, a mãe incentivou a leitura e ambas foram conquistadas pelo mundo do bruxinho que tem uma cicatriz de raio na testa: o Harry Potter. A escrita veio em seguida. Insatisfeitas com os finais das histórias que liam, Bia e Lua sempre se perguntavam: e se fosse diferente? E se escrevêssemos outro desfecho? 

“Por a gente ter contato próximo, querer escrever e criar a nossa história se tornou muito presente", explica Bianca.


"Fazer tudo juntas é algo natural. A gente sempre discutia, pensava e arquitetava todas as ideias juntas. Não sabemos como é não estar juntas”, completa Luana. 


Na época, o professor incentivou que as meninas buscassem um problema para “chamar de seu”. “O que a gente estava vivendo que não estava sendo abordado era a introdução de autores no mercado editorial, e a gente queria resolver esse problema para nos ajudar e ajudar outros autores”, ressalta Luana. Assim, elas escolheram escrever um livro e usá-lo como objeto de pesquisa. 

As meninas destacam que o projeto é inédito por elas próprias se inserirem como sujeito.  Elas não analisam a autopublicação de um outro autor, mas escreveram um livro e testam a própria obra. Luana e Bianca também leram outros referenciais teóricos, mas nenhum trazia algo experimental, testando a plataforma de publicação da Amazon, Kindle Direct Publishing.  

O KDP é uma plataforma de publicação de livros digitais lançada em novembro de 2007, simultaneamente com o primeiro dispositivo Kindle da Amazon. Para Adriele Porto, pedagoga do SESI Anísio Teixeira, a importância da pesquisa das meninas está no fazer ciência.

Adriele Porto é pedagoga do SESI Anísio Teixeira e acompanha a iniciação científica da escola

“Quando elas tiveram contato com a metodologia cientifica no SESI, perceberam que o desejo de escrever um livro poderia se tornar pesquisa e ajudar pessoas que, assim como elas, tinham vontade de publicar, mas não tinham como publicar numa editora tradicional”, conta. “O que torna o trabalho das meninas rico é que elas conseguem construir ciência dentro das linguagens e chegar ao objetivo da pesquisa que é a publicação da obra.” 

Multiverso colorido e sem cor 

Mas e depois do era uma vez? Como essa história começou? Numa tarde qualquer, em casa, Bianca olhou para uma caixinha colorida de óculos e pensou: “E se a gente criasse uma história com dois mundos. Um com cor e o outro sem?”. Assim, nasceu Entre dois mundos. O livro conta a história de Helena e Sarah, que vivem numa sociedade distópica, ou seja, num futuro e num mundo diferentes do que seria uma utopia.  

Apesar da história ser em terceira pessoa, cada uma das irmãs escreve o ponto de vista de uma personagem. Entre dois mundos é um multiverso das cores. Tudo que existe em Hádria (o mundo colorido) também está presente em Irina (o cinza). As personagens principais Sarah e Helena são equivalentes em cada mundo.  

“Esses dois mundos funcionam como reflexos e a vida das pessoas nos dois mundos é interligada. Se uma morrer, a outra morre”, relata Bianca.  A trama de Entre dois mundos começa quando as pessoas passam a procurar os equivalentes em outro mundo para evitar a morte. Os hádrios estão sendo feitos de prisioneiros no mundo irino, e Helena é uma dessas aprisionadas. 

História pensada nos mínimos detalhes 

As irmãs começaram o desenvolvimento da história no final de 2021 e agora vão partir para a etapa de publicação. A previsão é que o livro esteja disponível no segundo semestre. A ideia do projeto também é trabalhar a obra de maneira crítica em sala de aula. Pensando nisso, elas desenvolveram fichas da psiquê dos personagens, do processo de escrita e rechearam o livro de easter eggs, as famosas referências escondidas colocadas de propósito numa obra para que as pessoas encontrem. 

Capa do livro "Entre dois mundos" também foi criada pelas irmãs

“A gente precisava mostrar como funcionava o processo de escrita e trazer um significado para tudo. Como a obra vai ser didatizada, é importante trazer significado para que o professor consiga extrair e trabalhar com os alunos”, detalha Luana.  

A ideia inclusive é que o livro seja uma duologia e após a publicação elas comecem a estruturar a sequência. Apesar do receio de receberem críticas, Bianca e Luana têm uma expectativa positiva de aceitação por parte dos colegas. A obra vai ser trabalhada com os alunos do 3º ano.  

“Percebemos que a introdução de livros nacionais é um processo difícil. Aos poucos, a gente vai modificar esse estigma, dá medinho, mas temos uma ideia positiva”, desabafa Bianca. Já Luana, acredita que a importância da pesquisa vai além de realizar o sonho dela e da irmã, mas de incentivar outros. 

"A partir do momento que a gente começou a trabalhar com autopublicação, muita gente disse que escrevia e não sabia onde publicar. Quando a gente publicar e usar em sala de aula, espero que os nossos colegas se influenciem”, almeja a estudante. “A gente quer dar oportunidade.” 

Fazer ciência é divertido, mas compartilhar é valioso 

De 20 a 24 de março deste ano, Luana e Bianca participaram da maior feira de ciências e engenharia do Brasil, a Febrace, onde conquistaram o 2º lugar na categoria de Ciências Humanas. A pedagoga do SESI Anísio Teixeira Adriele Porto acredita que a feira é uma experiência única para os estudantes, principalmente pelo fato de “provar a si e aos outros, que é possível leitores nacionais escreverem obras com potencial”.  

Segundo ela, esta foi a maior recompensa: “Receber reconhecimento por esse trabalho que foi longo e trocar experiência com outras pessoas, receber contribuições e criar uma maturidade supervaliosa”.  

Irmãs durante a premiação da Febrace, onde levaram medalha de prata para casa

Ela também percebeu como a ciência está ganhando força aos poucos e que é preciso valorizar os jovens cientistas. “Ainda é um processo difícil, são poucas as feiras, a gente tem pouca divulgação da iniciação cientifica, mas estamos lutando cada vez mais para a ciência jovem ser valorizada”, pontua. 

Na visão de Luana, a Febrace abriu a mente para outras oportunidades, como viajar e conhecer outras pessoas que também apresentaram seus projetos.  

Os olhos das irmãs gêmeas brilham com tudo. Luana e Bianca têm mais afinidade com as Ciências Exatas, fazem iniciação científica na área de Linguagens e querem fazer faculdade de medicina. 

“As pessoas sempre se assustam quando contamos, mas gostamos de tudo. E a leitura é dinâmica. Queremos levar o projeto para a universidade e para outras línguas para ampliar o acesso. Pretendemos continuar e estamos abertas a novos projetos”, afirmam as duas. 

As irmãs que fazem tudo juntas também não seriam nada sem a leitura, o hábito que as levou a querer criar a própria história e fazer ciência a partir disso. “A gente não seria como a gente é hoje sem os livros. Quando criamos o costume, ler deixa de ser uma obrigação e se torna prazer”, finaliza Luana.  

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