Reforma tributária: segurança jurídica, investimentos e desenvolvimento

Em artigo publicado no portal Conjur, Cássio Borges, Diretor Jurídico da CNI, fala sobre a aprovação da reforma tributária pela Câmara dos Deputados

Congresso Nacional em dia nublado na política brasileira, Brasília, Distrito Federal

Em dia histórico, a Câmara dos Deputados aprovou o texto da reforma tributária.

A proposta pretende modificar a tributação sobre o consumo por meio do modelo de Imposto sobre Valor Agregado (IVA), com adoção de um IVA dual (IVA nacional, com a criação da CBS¹ e IVA subnacional, com a criação do IBS². Também é criado o Imposto Seletivo (IS) destinado, a princípio, a desestimular o consumo de determinados bens e serviços, e é autorizada a criação de contribuições pelos Estados e Distrito Federal sobre produtos primários e semielaborados, produzidos nos respectivos territórios, para investimento em obras de infraestrutura e habitação. Além disso, extingue ICMS, ISS, PIS/Pasep, COFINS e IPI.

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A previsão de um IVA-Dual (federal e subnacional) é passo importante em direção ao bom funcionamento do novo sistema tributário, com identidade substancial dos tributos, regulamentação centralizada (no caso do subnacional), base ampla, incidindo nas importações e não incidindo nas exportações, poucas alíquotas, amplo direito a crédito e restituição de saldos credores.

O tratamento dado aos tributos (CBS e IBS) será harmonizado, em atuação integrada dos entes federados interessados, e, no âmbito do IBS, será instituído o Conselho Federativo (CF-IBS). Essa previsão de harmonização entre normas, interpretações e procedimentos relativos aos tributos, bem como o compartilhamento de previsões constitucionais na definição do IBS e da CBS, são mecanismos que favorecem a simplificação do sistema e, consequentemente, a segurança jurídica do ambiente tributário.

Espera-se drástica redução da cumulatividade a partir da tributação e do direito ao crédito em bases amplas de bens materiais e imateriais e serviços nacionais e importados (inclusive direitos, serviços financeiros e operações com bens imóveis). Isso mitiga a ocorrência de eventual etapa da cadeia produtiva que não gere crédito e transforme os tributos pagos anteriormente em não recuperáveis. Portanto, aumentando o custo do que se está produzindo ou prestando.

Não se ignora que ainda há hipótese em que se verificaria cumulatividade, notoriamente no Imposto Seletivo, que deve ser tratada com atenção para que seja mais bem limitada no texto a ser aprovado no Senado.

Relativamente à operacionalização do aproveitamento dos créditos, a previsão de que o valor recolhido a título de IBS será administrado pelo Conselho Federativo pode conferir maior eficiência no ressarcimento de créditos acumulados.

O texto vincula o direito ao crédito ao imposto devido na etapa anterior, destacado na nota fiscal. Além disso, possibilita que lei complementar estabeleça o chamado split payment, no qual o crédito estará condicionado ao efetivo pagamento do imposto anterior, desde que (i) o adquirente possa efetuar o pagamento do tributo; ou (ii) o recolhimento se dê de modo unificado com o pagamento da operação.


O bom funcionamento da não cumulatividade significa maior racionalidade da tributação e redução das distorções atuais que geram um resíduo tributário oculto, o que compromete exportações e a competitividade dos produtos nacionais frente os importados no mercado interno.


A maior racionalidade na tributação e a segurança jurídica do sistema tributário tem como consequência esperada o favorecimento do investimento no setor produtivo, seja a partir do capital nacional ou estrangeiro.

Relativamente ao investimento do capital estrangeiro, além dos benefícios concretos de se atuar em um ambiente mais racional e seguro tributariamente, deve-se apontar a vantagem de se adotar aqui no Brasil uma lógica de tributação que já é, em sua essência, compartilhada com mais de 170 países. Com o novo panorama tributário que se aproxima, até mesmo a barreira para se explicar a um investidor estrangeiro o funcionamento da tributação no Brasil tende a diminuir significativamente, constituindo-se em um elemento imaterial que poderá favorecer o clima dos investimentos no futuro.

A atenção específica para operações com bens imóveis e serviços financeiros é importante para os investimentos, por tratarem de temas de base para a estruturação e ampliação de negócios produtivos. No entanto, é prudente aguardar os termos da lei complementar que detalhará essa disciplina, inclusive na forma como poderá ser reduzido o impacto dos tributos sobre a aquisição de bens de capital. É preciso evitar que a regulamentação desse dispositivo represente desvantagem ao produto nacional em relação ao importado.

O clima mais propício para investimentos vem ligado à geração de desenvolvimento econômico e social. Como mecanismo de se permitir uma melhor distribuição desses ganhos com desenvolvimento pelo país, verifica-se na reforma a manutenção do Simples e da Zona Franca de Manaus. Além disso, há previsão para devolução dos tributos para pessoas físicas, sendo necessária lei complementar para disciplinar os detalhes.

À parte disso, o texto veda a concessão de incentivos e benefícios financeiros ou fiscais relativos à CBS e ao IBS ou de regimes específicos, diferenciados ou favorecidos de tributação, salvo hipóteses previstas na Constituição Federal (combustíveis e lubrificantes; serviços financeiros, operações com imóveis, planos de saúde e concursos de prognósticos; operações contratadas pela administração pública direta, autarquias e fundações públicas; sociedades cooperativas; hotelaria, parques temáticos, restaurantes, bares e aviação regional).

Como forma de equalização do fim da possibilidade dos incentivos e benefícios fiscais são criados dois fundos: Fundo de Desenvolvimento Regional e Fundo de Compensação de Benefícios Fiscais ou Financeiros-fiscais – ambos com aporte de recursos da União, sendo o primeiro permanente e outro, com validade prevista até 2032.

Há pontos de atenção no texto, a exemplo da amplitude do Imposto Seletivo – já que a expressão “bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente” pode englobar praticamente qualquer coisa –, bem como da contribuição que os Estados e o DF estarão autorizados a instituir. Sem dúvida o trabalho deverá ser intenso no Senado para que essas disposições sejam avaliadas a partir de critérios que não frustrem a expectativa de um sistema tributário mais simples e racional.

A complexidade e o detalhamento do tema tornam virtualmente impossível uma reforma unânime, livre de questionamentos. No entanto, o texto da PEC 45 aprovado mostra caminho alentador na direção de um sistema mais simples e racional, especialmente se houver importante avanço na limitação em relação à tributação do Imposto Seletivo e da Contribuição dos Estados e DF. Estaria, assim, consonante com as esperanças de maior segurança jurídica oferecidas pelos demais pontos desta proposta de reforma tributária, a possibilitar ambiente propício para investimentos produtivos e o consequente desenvolvimento econômico e social.

Com essas expectativas, cabe aguardar a tramitação no Senado para se atestar se a reforma tributária atenderá a tudo aquilo que dela se espera.

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¹Contribuição sobre bens e serviços.

² Imposto sobre bens e serviços.

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* Cassio Borges é Diretor Jurídico da CNI. Guilherme de Almeida Costa, Fabiano Lima Pereira, Pedro Henrique Braz Siqueira e Gustavo Amaral são advogados da Confederação Nacional da Indústria (CNI).

O artigo foi publicado no portal Conjur, nesta sexta-feira (28).

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